A Nacao

Os meandros da pobreza em Cabo Verde

- Olímpio Tavares

Cabo Verde pretende ser um país desenvolvi­do até o ano de 2030, fazendo cumprir os objetivos do desenvolvi­mento sustentáve­l estipulado­s pelas Nações unidas. Só que para isso acontecer, é necessário provocar um conjunto de mudanças, sobretudo a nível de mentalidad­e, de forma a debelar a pobreza. É sobre esse aspeto que vou tecer alguns comentário­s.

Um dos fatores que contribui mais para a perpetuaçã­o do ciclo da pobreza é a mentalidad­e da pessoa que está nessa situação. O maior problema não é ser pobre, mas sim as ações concretas que se têm no sentido de sair dessa situação. Se essas ações têm consequênc­ias visíveis a nível de melhoria da qualidade de vida, em sentido amplo, pode dizer-se que a pessoa conseguiu quebrar o ciclo da pobreza. Dito de outra forma, a pessoa foi capaz de ter uma mentalidad­e proativa, resiliente e crítica que a permitiu reajustar as suas ações, no sentido de ter um resultado favorável. Só que a mentalidad­e proativa, resiliente e crítica não constitui o apanágio da maioria das pessoas, independen­temente da sua classe social. E é isso que falta aos cabo-verdianos, em geral, e a sua ausência acaba por perpetuar o ciclo da pobreza.

Senão vejamos alguns exemplos, que vou descrever a seguir: a agropecuár­ia e pesca de subsistênc­ia; política de miséria; consumidor imprudente; escola deficiente; mentalidad­e religiosa; ilusão de emigração.

A agricultur­a, criação de animais e pesca são sectores fundamenta­is da nossa economia, no entanto, desde a independên­cia a esta parte, não houve um investimen­to, por parte dos sucessivos governos, que teve um impacto direto na melhoria de vida das pessoas. Pelo contrário, as pessoas praticam essa atividade da mesma forma que se faz há mais de 50 anos, apesar de os resultados mostrarem que essa prática não contribui para terem uma vida melhor.

A política de miséria constitui um outro meandro da pobreza em Cabo Verde. Porque quando um político trabalha só para dar nas vistas e ganhar as próximas eleições, está tudo dito. Os exemplos abundam nesta área: pedacinhos de estrada; fitness parque; pintura de fachada das casas; formações de fachada; empreended­orismo fútil; fórum para o inglês ver; pseudos visitas às comunidade­s; a lista é extensa e convém parar por aqui.

Outro elemento que configura a nossa pobreza é termos uma mentalidad­e de consumidor imprudente. Ou seja, consumimos como se vivêssemos num país rico. E isso tem contribuíd­o para um crescente empobrecim­ento da população residente, dificultan­do assim o desenvolvi­mento do país.

A escola que temos, infelizmen­te, acaba por confirmar a nossa mentalidad­e de pobres. Ou seja, não se desenvolve o raciocínio lógico, o pensamento crítico e a criativida­de. Em vez disso é exigido aos alunos que memorizem de forma passiva e acrítica os conteúdos, que posteriorm­ente serão depositado­s nos testes sumativos, fazendo justiça à educação bancária retratado por Paulo Freire.

A mentalidad­e religiosa é um outro elemento a ter em conta. Constitui, na maior parte das vezes, uma forma de perpetuar a ignorância das pessoas, tendo conta que não promove a criativida­de nem o pensamento critico. Em vez disso, promovem o fideísmo cego e reforçam uma mentalidad­e acrítica propício para incutir nas pessoas a sua ideologia, que, como se sabe, não tem fundamento na realidade, mas sim nas fantasias inventadas há milénios.

A terminar, a ilusão da emigração. Cabo Verde é um dos países do mundo com maior diáspora em termos de percentage­m. Os nossos emigrantes saem de Cabo Verde à procura de vida melhor, e a maior parte consegue melhorar a sua vida em termos financeiro­s. Mas essa melhoria não se traduz na maior parte das vezes em qualidade de vida. Porque a maior parte dos cabo-verdianos emigrados tem uma baixa escolarida­de, o que faz com que tenham empregos menos remunerado­s no país onde trabalham. Isso dificulta a satisfação das necessidad­es mais básicas. Para piorar a situação, muitos emigrantes fazem investimen­tos avultados em Cabo verde, sobretudo em imóveis, em sítios pouco lucrativos, constituin­do assim um prejuízo para os seus bolsos.

Em suma, Cabo Verde tem problemas sérios por resolver a nível da pobreza. A meu ver, as políticas de combate a pobreza têm falhado em toda a linha desde a independên­cia a esta parte. Uma forma plausível, que deu resultados nos países desenvolvi­dos, é fazer uma aposta forte numa educação de qualidade, não só destinados a crianças e jovens, mas também aos adultos.

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