Cabo Verde cai nove lugares no ranking dos Repórteres sem Fronteiras
Cabo Verde caiu nove pontos no ranking da Liberdade de Imprensa no Mundo, anunciado terça-feira, 3, pelos Repórteres sem Fronteiras, com sede em França. O país despencou da posição 27 para 36 em apenas um ano. A Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) atribui a culpa ao Ministério Público, enquanto que o Governo diz que o país não se revê nos resultados.
Da posição 27, no ano passado, Cabo Verde passou para o lugar 36, com 75.37 pontos, menos 2.54 do que o verificado no ano passado (79,91), conforme dados da 20ª edição do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, que avalia as condições para o exercício do jornalismo em 180 países e territórios.
Ainda assim, segundo os RSF, Cabo Verde se destaca na região africana, sendo a liberdade de imprensa garantida pela Constituição da República.
“A pressão do Estado aumentou a autocensura”
O documento destaca ainda que, embora a lei que garante o pluralismo permita que todos os partidos políticos tenham voz na media, a realidade é um pouco menos clara, uma vez que diretores de emissoras estatais são indicados diretamente pelo governo e seus programas priorizam as políticas governamentais.
“A pressão do Estado aumentou a autocensura. Cabo Verde mantém uma cultura de sigilo, com o governo não hesitando em restringir o acesso à informação de interesse público”, referiu.
A Constituição e as leis são muito favoráveis ao exercício do jornalismo, permitindo que os jornalistas reportem livremente, diz os RSF, que ressalva, porém, que “um artigo do Código de Processo Penal adotado em 2005 permite que qualquer pessoa, inclusive jornalistas, seja acusada de violar o sigilo das investigações judiciais”.
AJOC atribui responsabilidades ao MP
O presidente da Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) atribuiu a queda de nove posições à recente ação do Ministério Público (MP) contra dois jornais privados e respectivos jornalistas, num processo ligado à divulgação de informações em segredo de justiça.
“Não me recordo ter visto Cabo Verde a descer tanto assim neste importante ranking. Estamos em queda livre, porque já tínhamos descido duas posições no ranking do ano passado e este ano descemos mais nove. Acreditamos que tudo isto está relacionado com situações que recentemente afetaram o ambiente da Comunicação Social em Cabo Verde”, declarou Geremias Furtado.
“É uma descida que nos preocupa e atribuímos toda a culpa ao Ministério Público, que, no nosso entender, se dá mal com a liberdade de imprensa e com a própria Constituição de Cabo Verde”, acrescentou.
Primeiro-Ministro: “Cabo Verde “não se revê no contexto do relatório
O primeiro-ministro alegou, esta terça-feira, que Cabo Verde não se revê no contexto descrito pelos RSF, que “demonstra em 2022 os efeitos desastrosos do caos informacional (um espaço digital globalizado e desregulamentado, que promove informações falsas e propaganda estatal)”, e que aponta “regimes despóticos que controlam seus meios de comunicação”, “polarização da mídia”, “violações muito graves da liberdade de imprensa”.
“É neste contexto que Cabo Verde não se revê que devemos avaliar a nossa posição, uma vez que o país continua bem avaliado nos rankings internacionais em relação a democracia, lidera, em África, o essencial dos rankings de desenvolvimento humano, transparência, liberdades e boa governança”, escreveu Ulisses Correia e Silva, na sua página oficial do Facebook.
Segundo o governante, “ainda que alguma tensão entre a imprensa e a Justiça, dois órgãos independentes, possa ter causado alguma erosão na classificação da liberdade de imprensa, Cabo Verde é citado no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, como um país que se destaca na região pelo ambiente de trabalho dos jornalistas, onde a liberdade de imprensa é garantida pela constituição, com um cenário mediático diversificado, onde as leis são muito favoráveis ao exercício do jornalismo, onde os profissionais podem exercer livremente”.
Presidente da República: “Cabo Verde está relativamente bem”
Para o presidente da República, Cabo Verde está “relativamente bem”, mas a comunicação social e os seus órgãos representativos, assim como o governo, devem ter em conta os aspectos levantados pelos RSF, no sentido de haver melhorias e continuar a estar bem posicionado nos rankings internacionais.
Da sua leitura, os aspectos considerados pelos RSF tem a ver com a desgovernamentalização dos órgãos públicos, com a garantia de um maior pluralismo, garantindo um apoio mais efectivo ao sector privado, e também questões que se relacionam com o monopólio do espaço da comunicação social pelo Estado e a necessidade de se criar condições para haver muito mais pluralismo e muito mais liberdade de imprensa.
José Maria Neves chama a atenção, entretanto, para a necessidade de se fazer uma abordagem mais ampla, a várias questões levantadas pelo relatório, e não se focar apenas na questão do processo levantado pela Procuradoria Geral da República, sob pena de “ficarmos enviesados na resolução do problema”.