JMN preocupado com a (in) sustentabilidade financeira dos órgãos
A insustentabilidade financeira dos órgãos de comunicação social, o ambiente legal pouco amigo, as dificuldades de acesso às fontes, a necessidade de redifinição dos critérios para a distribuição de subsídios e acesso à publicidade figuram entre as principais mazelas para a efectiva liberdade de imprensa, destacadas, terça-feira, 3, pelo Presidente da República (PR), no âmbito da conferência “Mais liberdade e melhor democracia”, promovida pela Autoridade Reguladora para a Comunicação Social (ARC).
No dia em que o relatório da Repórteres Sem Fronteiras apontou que Cabo Verde caiu nove posições no ranking de liberdade de imprensa no mundo, também se debateu, na Praia, o papel dos media na promoção da democracia, no âmbito de uma conferência promovida pela Autoridade Reguladora para a Comunicação Social (ARC), sob o lema “Jornalismo sob vigilância”.
Contributo fundamental da comunicação social
No seu discurso de abertura, José Maria Neves destacou que o contributo da comunicação social tem sido fundamental na consolidação do Estado de Direito Democrático, como uma forte participação de jornalistas em momentos cruciais para a democracia no país e na formação de uma opinião pública cada vez mais esclarecida.
Porém, o chefe de Estado chamou a atenção para a ocorrência de “algumas debilidades no sector”, que, segundo disse, exigem reflexão e análise, com vista a encontrar soluções capazes de responder aos constrangimentos dos quais a classe padece.
Principais fragilidade dos órgãos privados
Entre estas debilidades, destacou “uma excessiva monopolização do espaço pelos órgãos estatais” (rádio e televisão), assim como a problemática da sustentabilidade financeira do sector, de modo a se garantir o pluralismo.
No que à sustentabilidade diz respeito, destacou a necessidade de se repensar o montante e os critérios para a distribuição de subsídios, a revisão das regras no tocante ao mercado publicitário, a contratualização do serviço público a órgãos privados, entre outros pontos, que, segundo disse, configuram assimetrias e desigualdades que é preciso combater e corrigir.
Sublinhando que muitos dos problemas são transversais aos órgãos públicos e privados, JMN sublinhou que “prevalece, na verdade, a fragilidade dos órgãos privados, muitas vezes, beirando o limite da sobrevivência e da impossibilidade”.
“Muitos desses órgãos têm funcionado graças à carolice, ousadia, teimosia, tenacidade e resiliência, tentando superar os enormes obstáculos e constrangimentos”, destacou.
Sinais de alerta contra a liberdade
Para além de maior apoio do Estado, sublinhou, é indispensável a criação de um ambiente legal mais amigo e favorável ao desenvolvimento e afirmação do sector.
“Durante muito tempo admitimos que a democracia, tal como a liberdade de imprensa, poderiam ser conquistas irreversíveis e que não corriam perigo. Mas fenómenos recentes, com um entendimento muito esdrúxulo do que seja liberdade de expressão, as verdades alternativas, os discursos de ódio e outros perigos, são sinais de alerta muito preocupantes e que devem merecer a atenção de todos”, alertou.
Para o chefe de Estado, num país democrático como Cabo Verde, os profissionais da comunicação social têm de poder exercer a sua profissão sem quaisquer constrangimentos, o que não coaduna com os recentes problemas relativos ao acesso às fontes e o segredo de justiça.
Esses “ruídos”, segundo disse, interpretados pela classe como tentativa de silenciamento e de cerceamento da liberdade de informar, são reais e suficientes para se provocar um debate alargado, tendo em vista a clarificação da legislação, nomeadamente em relação ao Código do Processo Penal.
Jornalismo educativo e pedagógico e incentivo à especialização
Aos jornalistas, o PR deixou um incentivo à prática de um jornalismo educativo, pedagógico e formativo, tal como, segundo exemplificou, tem sido evidente o envolvimento da classe em diversas campanhas de sensibilização contra epidemias, trabalho infantil, VBG, combate ao alcoolismo, entre outras causas.
Por outro lado, sublinhou a necessidade de fazer a mediação numa sociedade mais complexa, que, por sua vez, exige maiores conhecimentos e especialização.
Tomando a actuação do jornalista como contrapoder, em defesa de valores como a transparência, a credibilidade e a busca da verdade, sublinhou que “só um meticuloso jornalismo de investigação para levar a cabo um aturado trabalho de avaliação das fontes de informação e de verificação dos factos”, reconhecendo, por outro lado, que “esta é uma empreitada que exige recursos humanos e financeiros, nem sempre disponíveis na maioria dos órgãos e em especial nos privados”.