Classe política deve rever discurso marcadamente económico e comercial
Incidindo sobre o caso de Cabo Verde, o aprofundamento da sua participação nos processos de integração em curso no continente implica, particularmente por parte da sua classe política, a revisão do seu discurso, marcadamente económico e comercial, em torno da integração regional.
Por exemplo, o recente estudo sobre as especificidades de Cabo Verde na Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), encomendado pelo Governo, centra-se quase que exclusivamente em questões económicas como a moeda única, a taxa comunitária, a livre circulação de bens, a tarifa externa comum, o investimento e financiamento e a livre circulação de pessoas, direito de residência e estabelecimento.
Embora o teor do estudo não esteja disponível ao público, os elementos recolhidos na sua apresentação em março de 2021 deixam antever uma marginalização de outros processos de integração fundamentais para Cabo Verde nomeadamente no campo da saúde, educação e cultura, e que arrastam atrás de si a economia.
A título informativo, o Mestrado em Integração Regional Africana (MIRA) da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) tem produzido conhecimentos e teses sobre os diferentes processos de integração regional em curso procurando iluminar a pluralidade, a complexidade, a riqueza e os desafios e potencialidades que existem por detrás dos mesmos.
Grande desconhecimento dos cabo-verdianos em relação ao continente
Também em outros níveis de ensino é importante que se incorpore cada vez mais nos currículos aspetos e referências teóricas e metodológicas que espelhem de forma mais fidedigna a realidade plural de Cabo Verde e do continente com o objetivo de mitigar o grande desconhecimento e as mistificações que existem por parte dos cabo-verdianos em relação ao continente e deste em relação às ilhas derivado de diversas razões como a localização geográfica díspar, diferentes processos de colonização e de lutas/ conquistas pelas independências, assim como a persistente mentalidade colonial.
O trabalho que tem sido feito no âmbito do MIRA, e por parte de outros investigadores e ativistas, testemunham também a necessidade de haver um maior diálogo entre o poder público e as universidades públicas e outros actores sociais no sentido de se produzir políticas públicas consequentes neste âmbito.
No caso concreto do ensino superior, para além das infraestruturas físicas é fundamental dotar as instituições de ferramentas intangíveis (altos níveis de oferta e de qualificação, recursos linguísticos, etc.) para aprofundar a integração regional nesse nível de ensino a fim de promover a mobilidade de estudantes e, professores e investigadores da região que, por arrastamento, irão fazer estremecer positivamente o PIB do país.
Resumidamente, pensamos que Cabo Verde deve participar com uma forte aposta na qualificação permanente da sua reduzida população no sentido de poder oferecer à região serviços na área da saúde, educação e cultura de alto valor acrescentado, na medida em que a outros níveis (indústria, comércio, etc.) existem outros players muito mais poderosos.
Combater e desmistificar a narrativa das “especificidades” de Cabo Verde
Por fim, consideramos ser essencial combater e desmistificar a narrativa das “especificidades” de Cabo Verde que alegadamente devem ser tidas em conta no processo de integração, na medida em que todos os Estados da região têm particularidades (uns são encravados, outros são insulares, a maioria tem fronteiras artificiais herdadas da colonização, etc.). E estas não devem servir de subterfúgio para se procurar apenas os benefícios (pedidos de financiamentos e de apoios financeiros) e não se comprometer a fundo (“suar a camisola”) com os processos de integração.
O pouco interesse do arquipélago no aprofundamento do conhecimento da complexa realidade da sua vizinhança tem levado a que este Estado tenha estado com pouca segurança e celeridade na tomada de decisões sobre os processos de integração em curso.
A título de exemplo, o país assinou a 10 de Dezembro de 1999 o “Protocolo Relacionado Com o Mecanismo de Prevenção de Conflitos, Administração, Resolução, Manutenção da Paz e Segurança, conhecido como o “Tratado de Defesa e Segurança da CEDEAO” ou por “Mecanismo”, mas os sucessivos governos, até então, nunca chegaram a submeter o Tratado à Assembleia Nacional para ser ratificado, apesar de ser uma matéria consensual por já ter merecido por duas vezes o parecer favorável do Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN).
Necessidade de uma diplomacia muito mais lesta e eficiente
Exige-se, por conseguinte, uma diplomacia muito mais lesta e eficiente no que toca a questões de integração regional na medida em que têm sido estas “distrações” a remeter cabo Verde para o último vagão do comboio da história da integração regional africana e eu tenho defendido em vários fóruns que é fundamental procurar apanhar o vagão da frente antes que seja tarde de mais.
Mas para tal é preciso dar sinais claros de comprometimento com os principais dossiers da integração. Caso contrário, qualquer tentativa, ou iniciativa, visando a solicitação de atendimento das tais “especificidades”, por exemplo junto da CEDEAO, está votada ao fracasso.