Cabo-verdianos vão ter de continuar a apertar o cinto contra a crise
Com um eventual reajuste salarial posto totalmente de parte pelo Primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, não resta outra solução aos cabo-verdianos, senão, continuar a apertar o cinto contra a crise. A escalada de preços, devido à guerra na Europa, mesmo com medidas de mitigação, irá continuar e, prova disso, é mais uma subida de 5% nos combustíveis, registada ontem.
Numa grande entrevista de balanço de mandato, em directo na Televisão de Cabo Verde (TCV), no domingo, 29, o Primeiro-ministro pôs totalmente de parte qualquer possibilidade de reajuste salarial, para combater a crise e repor o poder de compra das famílias.
Quando questionado pelo A NAÇÃO sobre essa possibilidade, face ao aumento do nível de pobreza, reconhecido pelo mesmo, agudizado pelos cinco anos de seca, pela pandemia e pela guerra na Europa, que fez disparar os preços, Ulisses Correia e Silva garantiu que não há condições para tal no país.
“Nestas circunstâncias, fazer reajustes salariais, numa situação em que, no caso do Estado, as finanças públicas estão fortemente afectadas, por quebra de receitas, e por aumento de despesas, que estão vocacionadas e priorizadas para a protecção social, protecção dos mais pobres para a inclusão, que exige avultados recursos, quando os recursos estão a ser canalizados para a mitigação da alta de preços”, argumentou.
“Protecção e mitigação”
Segundo o mesmo, só para a “protecção e a mitigação” do efeito da alta de preços, de produtos alimentares e combustíveis, empreendidos pelo Governo de Abril a Dezembro, são necessários mais de cinco milhões de contos.
“Quando temos todas estas prioridades, não creio que possamos colocar, dar prioridade, à actualização salarial”, reforçou. O Chefe do Executivo diz, contudo, que essa actualização virá, “no seu tempo”, quando se poder “acomodar essas despesas adicionais”.
Até que isso seja possível, UCS diz que o Estado é que está a acomodar “uma grande parte dessa inflação”, provocada pela crise e alta de preços e que a prioridade são aqueles que não têm emprego, não têm rendimentos e que precisam de uma “mão” do Estado.
“Chegará o momento em que voltaremos a crescer e criaremos as condições para fazer a actualização (salarial) na função pública e nas pensões, de funcionários e pensionistas da administração, que por seu lado cria efeito também junto das empresas.
Cumprimento do Salário Mínimo
Enquanto isso, perante o quadro conjuntural, já conhecido por todos, as disparidades sociais vão-se acentuando, assim como a perda de poder de compra de muitos cabo-verdianos. Muitos nem o salário mínimo levam para casa.
Como é o caso do grupo de mulheres, do Planalto Leste, afectas ao Ministério do Ambiente e Agricultura, em Santo Antão, que ganham, por dia, 249 escudos. Como já reclamaram, várias vezes, publicamente, é uma situação de “escravatura” que há muito se arrasta, e que agora se torna incomportável perante este cenário de crise.
Quando confrontando, pelo A NAÇÃO sobre esse caso, e como é que se concebe que seja o próprio Estado a não cumprir o salário mínimo obrigatório, UCS não negou, mas desculpou-se, por assim dizer, em como o Estado não é o único a não cumprir com a lei.
“Duzentos e quarenta e nove escudos, por dia, é uma realidade social que ainda existe, apesar do salário mínimo, e não é só nos trabalhadores do Planalto Leste”, começou por dizer, para dar o exemplo de empregadas domésticas, contratadas por “pessoas com rendimento da classe média”, a receberem abaixo do salário mínimo nacional.
“Quando são trabalhadoras do Estado, então a responsabilidade é maior, mas quando são privados temos de criar as condições para que de facto haja maior inspeção e fazer cumprir”, defendeu.
249 escudos, por dia?
Instado também pelo A NAÇÃO, sobre o que faria com 249 escudos na gestão de uma casa, UCS desdramatizou, afirmando que ele, mesmo com o seu rendimento, também tem problemas na gestão do lar.
“Tenho responsabilidades que não é igual aos 240, mas tenho filhos que estão a estudar e que tenho de pagar os seus estudos. Tenho endividamento no banco, relativamente à minha casa, que eu comprei há anos atrás, e que ando a pagar, e que tenho encargos”, enumerou.
“Isto para dizer que todos nós temos os nossos problemas e, quando chegamos a esse nível de pessoas com 240 escudos por dia, estamos a falar de necessidades que estão a um nível muito baixo”, admitiu.
Nesse sentido, reiterou ao cumprimento do salário mínimo. “Primeiro, porque é lei. Segundo, garantir que haja inspecção da Inspecção Geral do Trabalho para que isso seja cumprido”, concluiu.