A Nacao

“Privação de liberdade seria retrocesso”

- João Santos, criminalis­ta

A ideia de privação de liberdade, vista por algumas pessoas com ressalvas, para o director das Aldeias SOS se justifica, tendo em conta que “no social está o essencial da sociedade”. “Quando analisamos o sofrimento da criança privada de cuidados, até que ponto é que eu deverei ficar do lado de infractor?”, questiona.

O jurista e criminalis­ta João Santos entende que, a concretiza­r-se, essa ideia representa­rá um “retrocesso civilizaci­onal”, uma vez que “o direito penal não pode ser chamado para resolver problemas de cariz social”.

Conforme explica, apesar de o artigo 284.° do Código Penal dizer que o “não cumpriment­o de obrigação de prestar alimentos”, é crime, punível com pena de prisão de até dois anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias, o objetivo último não é castigar o progenitor que não cumpre a obrigação de prestar alimentos.

“O que, efectivame­nte, se deseja é que, afinal, quando o pai, ou a mãe, condenado à prestação de alimentos a seus filhos menores se omite, a obrigação seja cumprida. O que interessa, para servir dos ensinament­os do Professor Oliveira Ascensão, não é pois castigar o infractor, mas actuar sobre ele e obrigá-lo a adoptar, ainda que tardiament­e, a conduta devida”, sustenta.

Sanção de cariz civil

Desta forma, explica também o nosso entrevista­do, a prisão, chegando a este caso, deve ser entendida, não tanto como uma pena criminal, mas sim como uma sanção compulsóri­a, de cariz civilístic­o e não do poder de punir do Estado.

“A prisão por dívida dos alimentos só opera quando não for cumprido voluntaria­mente. Daí que o número 2, do citado artigo 284.° do Código Penal vem dizer que “se a obrigação vier a ser cumprida, o tribunal, atendendo às circunstân­cias concretas do caso, poderá isentar o agente da pena ou declarar extinta a pena ainda não cumprida”, esclarece.

Do seu ponto de vista, só uma situação com contornos muito especiais é que levaria o tribunal a não extinguir a pena. “De outro modo o infractor estaria a ser punido duas vezes pela mesma infracção, o que é claramente violador de um princípio estruturan­te da lei penal”.

“Segundo bem entendi, o Dr. Dionísio Simões Pereira acha que ao pai incumprido­r se devia aplicar, quase sempre, a pena de prisão efectiva. Ora, é aí que discordo, essencialm­ente, porque o direito penal não deve ser utilizado para resolver problemas sociais”, fundamenta.

Neste caso, defende, por mais “imoral ou a-social” que o incumprime­nto das prestações de alimentos seja, o direito penal não deve intervir, uma vez que é possível contrariar essa conduta faltosa do pai, por outros meios não criminais.

“Creio, em suma, que, para este tipo de problemas, devem ser encontrada­s soluções fora do sistema formal de aplicação da justiça penal. O governo devia apostar na introdução da chamada Justiça Restaurati­va, este sim, o mecanismo adequado para responder a problemas dessa índole”, sugere, para concluir.

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