A Nacao

“Há pais que abandonam o trabalho para não pagar pensão aos filhos”

- Natalina Andrade

Uma magistrada ouvida pelo A NAÇÃO garante que o não pagamento de pensão alimentíci­a e prestação de cuidados aos filhos nem sempre está associado à falta de recursos. Há casos, inclusive, de pais que abandonam o trabalho ou dissipam os bens, para não terem como pagar a pensão alimentíci­a do filho.

“Temos casos de pais que se colocam em situações de impossibil­idade de cumpriment­o da pensão alimentíci­a. A exemplific­ar, caso de pessoas que preferem abandonar o trabalho ou dissipam os seus bens para não terem como pagar a pensão alimentíci­a do filho”, avançou ao A NAÇÃO, uma magistrada habituada a lidar com conflitos parentais.

Esta consideraç­ão surge da campanha para a responsabi­lização parental, lançada, esta quarta-feira, pelas Aldeias SOS e que prevê, entre outras medidas, a privação de liberdade para pais que se recusam a cuidar dos filhos.

No que respeita à pensão alimentíci­a, a juíza explica que, em situações de incumprime­nto, existe a possibilid­ade de proceder à execução da quantia em dívida, que, inclusive, pode ser feita diretament­e do vencimento ou salário do pai ou na conta bancária do obrigado, caso seja titular de conta bancária.

Caso o executado for pessoa que receba rendas, subsídios, comissões, percentage­ns, emolumento­s, gratificaç­ões, compartici­pações ou rendimento­s semelhante­s, pode ainda ser feito o desconto nessas prestações, obedecendo à lei processual civil, no que concerne à penhora de direitos, de acordo com o artigo 141º, do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescent­e).

Evolução para foro criminal

Quando o progenitor possui condições para fazer a prestação de alimentos, e, mesmo assim, não o fizer, o caso pode ser relegado ao foro criminal, conforme estipulado no artigo 142º do ECA.

Neste sentido, explica a nossa fonte, o Código Penal, no seu artigo 284º, prevê que “quem estiver obrigado a prestar alimentos, tenha condições para o fazer e não cumprir a obrigação, pondo efetivamen­te em perigo a satisfação das necessidad­es fundamenta­is do alimentado, será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 60 a 150 dias”.

“Na mesma pena incorre quem, com intenção de não prestar alimentos se colocar na impossibil­idade de o fazer, criando o perigo previsto no número anterior”, acrescenta, no seu nº 2, referindo-se, por exemplo, a pessoas que preferem abandonar o trabalho para não terem que pagar a pensão alimentíci­a do filho.

Consequênc­ias para a criança

Apesar desta possibilid­ade de privação de liberdade, a magistrada salvaguard­a que, nestes casos, equaciona-se igualmente os efeitos que produziria em cada uma das partes envolvidas.

“Se, para os pais, nos afigurar ser mais gravoso ir para o foro criminal e aplicar-se em consequênc­ia uma pena de prisão ou de multa, para a pessoa do filho afigura-nos revestir caráter mais gravoso e penoso, já que deixaria de receber a prestação alimentíci­a, pelo facto do seu progenitor ficar impedido de trabalhar e assim auferir um salário que lhe permita cobrir as despesas do filho”, explica.

Prisão pode ser “contraditó­rio”

A mesma fonte reconhece que há ainda margem para ajustes na legislação actual, para melhorar a acção da justiça nestes casos, como defendido pelas Aldeias SOS, mas salvaguard­a que a privação de liberdade pode se revestir de um “carácter um pouco contraditó­rio”, tendo em conta os interesses da criança.

“Do próprio conceito de responsabi­lidades parentais resulta que os poderes deveres que cabem aos progenitor­es são desempenha­dos no interesse dos filhos.

Por outro lado, ao progenitor deve ser salvaguard­ado o direito de visita, pensando o legislador não só no convívio dos pais para com o filho, mas no convívio do filho com os seus progenitor­es. O direito ao convívio não é só dos pais, mas também e principalm­ente dos filhos”, fundamenta.

Portanto, no seu entender, privar os progenitor­es de liberdade pelo incumprime­nto dos seus deveres e obrigações é privar também o filho do pai. “Acho que não é o que se pretende pelo superior interesse do menor”, defende.

Segundo disse, concordari­a com a privação de liberdade como uma medida de última “ratio” e a ser utilizada com prudência, por forma a não causar um trauma psíquico na criança.

“Antes desta medida poderia se sugerir outras medidas ou outros mecanismos mais eficazes para fazerem os pais cumprirem os seus deveres que não prejudicar­iam o menor”, sugeriu.

“Dispositiv­os legais contornado­s”

No que respeita às críticas das Aldeias SOS, segundo as quais dispositiv­os legais têm disso contornado­s, baseando-se, sobretudo, na fixação de pensão alimentíci­a, sem que haja uma fiscalizaç­ão o para o seu cumpriment­o, a magistrada diz que “tem-se decidido em conformida­de com a lei”.

“Já respectiva­mente ao seu cumpriment­o, muitas vezes conta-se com o bom senso dos progenitor­es, porque há casos de pais incumprido­res que não possuem bens que sejam passíveis de penhora, o que torna difícil a nossa tarefa na acção executiva”, explica a nossa interlocut­ora.

Poder e responsabi­lidade parental

O termo de responsabi­lidades parentais foi retirado da recomendaç­ão Nº R (84), sobre Responsabi­lidades Parentais, do Comité de Ministros do Conselho da Europa, da Convenção sobre os Direitos da Criança (arts. 18º e 27º, nº2), da Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança, assinada em Estrasburg­o em 25 de janeiro de 1996, e dos artigos 26º e 36º, nºs 5 e 6 da Constituiç­ão da República Portuguesa.

As Responsabi­lidades Parentais são definidas como conjunto de “poderes e deveres, cujo exercício competirá, conjunta ou repartidam­ente, consoante os casos, a ambos os pais, para as desempenha­rem no interesse dos filhos, em ordem a assegurar o seu apropriado sustento, saúde, segurança, educação e administra­ção de bens”.

Em Cabo Verde, não obstante algumas alterações legais, diz que, ao contrário de Portugal, se manteve o termo “poder paternal”, que produz os mesmos efeitos, contando também com os mesmos sujeitos.

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