Os riscos políticos da crise em São Vicente
Para o ex-presidente da Câmara Municipal da Praia (1992-2000) e da Associação Nacional dos Municípios Cabo-verdianos (1995-2000), Jacinto Santos, se a situação política de São Vicente se mantiver, o Governo não tem outra solução política senão promover a dissolução da câmara e assembleia, e nomear uma comissão administrativa para concluir o mandato.
“As eleições de Outubro de 2020, de acordo com a vontade expressa dos eleitores nas urnas, terminaram na composição plural do executivo camarário, em que o MpD assume a liderança, mas, como partido minoritário, e o PAICV e a UCID, em conjunto, fazem a força maioritária”, lembra o ex-autarca.
Com base na decisão do povo, que, segundo diz, foi clara e inequívoca, a gestão tem de ser compartilhada, com base num acordo sério de governabilidade.
“Nesse acordo deve ficar claramente a salvaguarda da legalidade – e um dos principais aspectos dessa legalidade é que o presidente tem poderes que estão estabelecidos na lei, e os vereadores têm poderes que derivam da sua participação efetiva nas reuniões deliberativas da CM, mas não tem competências próprias originárias”, explica.
Ainda, acresce, assim como os vereadores não podem usurpar dos poderes do presidente, também, havendo vereadores que, por acordo das partes, desempenham as suas funções de forma remunerada, têm de ter pelouros e um conjunto de serviços sobre a sua supervisão direta.
No entender de Santos, se existisse a compreensão deste comando legal, em princípio, seria fácil o acordo para se chegar a um entendimento, no sentido da viabilização da governação. Por isso, na falta desta compreensão legal, o problema deve ser resolvido politicamente.
“Isso implica entrar num acordo político sério, vinculativo das partes, para viabilizar a governação. O ponto é que até hoje não se conseguiu sair do impasse, e verifica-se um bloqueio, que tem de ser resolvido politicamente. Não pode ser resolvido de forma administrativa, porque não há nenhum recurso administrativo para resolver este problema”, alerta.
Prejuízo do interesse público
Jacinto Santos descreve a situação de São Vicente como sendo “muito crítica”, que coloca uma pressão “muito forte” sobre o sistema democrático em Cabo Verde e que poderá ter efeitos sistémicos, tendo em vista que acontece nos dois maiores municípios e círculos eleitorais.
Apesar de indesejado por este nosso interlocutor, a dissolução é uma saída que está prevista na lei, segundo refere o próprio, e fundamentada no interesse público. “E aqui o interesse público é claro. A população de São Vicente está a ser prejudicada”, sublinha.
Risco de abrir precedente
Um outro bem público, segundo disse, é a democracia. “Se isto que está a acontecer em São Vicente dar em nada, não significar nada, estaremos a abrir um grave precedente no sistema político cabo-verdiano”, alerta.
Com mais de 30 anos de democracia, observa aquele analista, deveria existir maturidade política suficiente. “Há algo que não está a correr bem na nossa democracia e nessa relação binária, ou de três partidos, como é o caso de São Vicente”, aponta.
Eleições intercalares “praticamente impossíveis”
Uma eventual eleição intercalar seria, no entender de Jacinto Santos, “praticamente impossível” de realizar em São Vicente, a menos que todos os vereadores renunciassem, em bloco, aos seus mandatos.
“E, ainda, digamos, em negociação com todos os que não foram eleitos, assim como aconteceu no tempo de Onésimo Silveira”, aponta.
Entretanto, uma eleição intercalar poderia não ter os resultados esperados. “Porque, se não fizerem, também a eleição para a Assembleia Municipal, mantém-se a configuração que vem da eleição de outubro de 2020, portanto, não é eficaz”, alerta aos menos atentos na análise desta equação.
“Não pode haver judicialização da política”
A hipótese de eleições antecipadas também não é uma opção colocada por este antigo autarca, sob pena, segundo disse, de se judicializar a política.
Isto, tendo em conta que uma eventual eleição antecipada teria de ocorrer, necessariamente, na sequência de uma dissolução, ou então da perda de mandato, este último decretada pelos tribunais.
“Há uma responsabilidade política que não pode ser transferida para o judicial. E o facto de, hipoteticamente, de vir a ser avançada com a dissolução, não dispensa os processos que estão em curso nos tribunais. O que podemos evitar nesta questão é a judicialização da política. Os actores políticos têm que assumir as suas responsabilidades”, defende.