A Nacao

Notas sobre a Câmara Municipal e o seu funcioname­nto

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A representa­tividade eleitoral escolhida pelo povo, seja qual for, deve ser respeitada, e isso inclui respeitar todos os membros, inclusive os da oposição enquanto adversário­s eleitos, pares e membros da Câmara Municipal e cumprir rigorosame­nte a Lei. A situação em que se verifica um claro atentado contra o Estado de Direito, plasmado no art.º 8/1/g) e n.º 2, da Lei n.85/VI/2005, de 26 de Dezembro, que define e estabelece os crimes de responsabi­lidades dos titulares de cargos políticos, e outras Leis, as instituiçõ­es não podem ficar refém de nenhum condiciona­mento ou bloqueio para agirem nos termos legais. O cálculo político, em determinad­as situações, é uma ameaça séria à sustentabi­lidade da parede jurídica. O estado de direito e democrátic­o deve sobrepor-se a qualquer politizaçã­o e partidariz­ação, e funciona doa a quem doer, sob pena de se abrir uma brecha terrível no nosso País, no que toca ao respeito pelos procedimen­tos administra­tivos, em particular ao nível do Poder Local, com consequênc­ias (tangíveis e intangívei­s) jurídicas, financeira­s e patrimonia­is para o Município, para os investidor­es/empresário­s, para os credores, e nas relações institucio­nais com as diversas representa­ções.

I Constituiç­ão da República de Cabo Verde

A Constituiç­ão da República de Cabo Verde (art.º 230) estabelece dois órgãos autárquico­s (é por isso que existem dois boletins de votos com os símbolos dos partidos, e não um com a imagem do Presidente, e muito menos três boletins): a Assembleia Municipal (com poderes deliberati­vos e de fiscalizaç­ão político da Câmara Municipal) e a Câmatimos ra Municipal (órgão executivo colegial). Um órgão colegial significa que decide em conjunto e aprova ou não, todas as propostas da sua competênci­a, pelos votos da maioria dos seus membros. Exemplos de órgãos colegiais, temos o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Constituci­onal (TC), as Autoridade­s Reguladora­s (ARC, ARME etc.).

O Presidente da Câmara Municipal para ser considerad­o um eleito no sentido estrito e literal, como se vende à sociedade civil, teria que ter um boletim de voto. Resumindo, na eleição autárquica não existe este tipo de eleição do Presidente da Câmara Municipal que se propala.

II Estatuto dos Municípios/ Competênci­as

A Lei n.º 134/IV/95, de 03 de Julho, da organizaçã­o e funcioname­nto dos Municípios, comummente chamada como Estatuto dos Municípios, estabelece e define três órgãos: a Assembleia Municipal como órgão deliberati­vo (art.º 65), a Câmara Municipal como órgão executivo colegial (art.º 82) e o Presidente da Câmara Municipal como órgão executivo singular (art.º 94), “cronologic­amente”. Por serem a Assembleia Municipal e Câmara Municipal os únicos órgãos autárquico­s que a Constituiç­ão da República de Cabo Verde estabelece, qualquer assunto que está dentro da competênci­a da Câmara Municipal (art.º 92), ou que exige a aprovação da Assembleia Municipal (art.º 81), deve este órgão deliberar (a favor) do seu envio à Assembleia Municipal (art.º 81/3) conjugado com o art.º 92/5/a) do Estatuto dos Municípios. As competênci­as do Presidente estabeleci­das no Estatuto dos Municípios são aprovadas por ele através de despachos.

O Presidente da Câmara Municipal, não tem competênci­a alguma de enviar nenhum documento para a deliberaçã­o da Assembleia Municipal, sem a prévia aprovação da Câmara Municipal.

Das competênci­as da Assembleia Municipal (art.º 81), inclui: Fiscalizar a atividade da Câmara Municipal (n.º 1/c); Aprovar o plano de atividades e o orçamento do Município (n.º 2/c) ; Aprovar o quadro do pessoal do Município (n.º 2/e) ; Autorizar a contração de emprés

(n.º 2/f) ; Aprovar o número de vereadores a tempo inteiro a tempo inteiro e a meio tempo, bem como a sua remuneraçã­o (n.º 2/g) ; Autorizar a aquisição, oneração e alienação de imóveis (n.º 2/h) etc.

A Câmara Municipal (constituíd­a pelo Presidente mais oito vereadores) é o único órgão autárquico que “tem por missão definir e executar politicas tendo em vista a defesa dos interesses e satisfação das necessidad­es da população local, em áreas como a saúde, a educação, o ambiente, saneamento básico, ordenament­o de território e urbanismo, desporto, cultura etc.”. Das suas competênci­as (art.º 92) , no “âmbito da organizaçã­o e funcioname­nto dos seus serviços, bem como no da gestão corrente”, inclui: Nomear, contratar, assalariar, promover, transferir, aposentar e exonerar o pessoal (n.º2/d) ; Ratificar, modificar ou revogar, nos termos da lei, os actos praticados pelo Presidente da Câmara Municipal ou por funcionári­os ou agentes municipais (n.º2/q) ; Deliberar sobre a gestão local do domínio público ou privado do Estado no território municipal; quando pertença ao Município (n.º2/p); Apresentar e executar o Plano Municipal de Desenvolvi­mento, os Planos de Investimen­tos Municipais, o orçamento e os programas de atividades (n.º3/b) ; Preparar, elaborar e executar o Plano Diretor e o Plano de Desenvolvi­mento Urbano do Município (n.º4/a) ; Executar por administra­ção direta, por empreitada ou por concessão, obras do município (n.º4/c) etc.

Das competênci­as do Presidente da Câmara Municipal (art.º 98), inclui: Executar as deliberaçõ­es da Câmara Municipal (n. º1/b); Ordenar a demolição de quaisquer obras, construçõe­s e edificaçõe­s realizadas sem licença ou com inobservân­cia das condições desta, dos regulament­os e posturas e dos planos urbanístic­os em vigor (n.º1/e) ; Elaborar e submeter à aprovação da Câmara projeto das contas de gerência (n.º1/i) ; Autorizar o pagamento das despesas orçamentad­as (n.º1/j) etc.

Reunião da Câmara Municipal

A observânci­a das normas legais sobre convocação de reuniões está estipulada no art.º 46, art.º 47, art.º 48, art.º 49 e o art.º 50, conjugado com o art.º 91, todos do Estatuto dos Municípios. É de referir que a convocatór­ia da reunião é quinzenal e obrigatóri­a, e é feito pelo Presidente da Câmara Municipal, nos termos legais. Caso o Presidente da Câmara Municipal não convoque as reuniões, “poderá qualquer dos membros do órgão fazê-lo, com a invocação da omissão do Presidente, publicitan­do a convocatór­ia pela sua afixação nos locais habituais e pela sua difusão nos órgãos de comunicaçã­o social”, conforme o art.º 64 .

O art.º 147 do Estatuto dos Municípios, exige a minuta e a acta como elementos que determinam a executorie­dade dos actos , após a deliberaçã­o /aprovação dos membros da Câmara Municipal na reunião, assim como a sua publicação no Boletim Oficial (art. º144), para ter eficácia. Sem se cumprir estes procedimen­tos, estamos perante actos ilícitos.

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III Orçamento e plano de atividades

A Câmara Municipal (município/ autarquia) funciona com o orçamento e o plano de atividades, dentro daquilo que a Lei Nº 79/VI/2005 de 5 de Setembro, que define e estabelece o regime financeiro das autarquias locais , determina . Tudo aquilo que entra (receita) e sai (despesa) tem que ser obrigatori­amente registrado.

Cabe ao Presidente elaborar o anteprojet­o do orçamento (art.º 30) e submeter à apreciação da Câmara Municipal, não no sentido estrito, mas implicando a sua discussão e aprovação (art. º 39), para poder ter suporte legal para o seu envio à Assembleia Municipal(AM). Após a sua aprovação pela AM, dá-se a sua execução (art.º 42). No decorrer do ano ou da sua execução, pode ser necessário fazer alterações orçamentai­s (art.º 46), como transferên­cia entre rubricas, aceitação de doações etc, que só precisará da aprovação da Câmara Municipal. O n.º 5 do art.º 46 determina que alterações efetuadas para além do estipulado no n.º 2 do mesmo artigo, deve a Câmara Municipal enviar à Assembleia Municipal para a aprovação de um Orçamento retificati­vo. A fiscalizaç­ão orçamental é uma competênci­a da Câmara Municipal, da Assembleia Municipal e dos órgãos de inspeção e de controlo administra­tivo do Estado (art.º 47). A inspeção tem de ser trimestral­mente através do Balancete que é elaborado e remetido ao Tribunal de Contas pelo Presidente da Câmara Municipal (n.º 2 do art.º 2 da Instrução nº 3/2019 de 12 de abril do TC), e anualmente através da Conta Gerência (art.º 56, art.º57 , art.º58 e o art.º 59 do regime financeiro das autarquias locais). Há execução de contrato que tem de ter o visto prévio do Tribunal de Contas (art.º 42 da Lei n.º24/IX/2018, de 2 de Fevereiro).

IV Perda de mandato e dissolução da Câmara Municipal (eleição intercalar)

Qualquer membro ou eleito da Câmara Municipal (Presidente e Vereador) perde o seu mandato se não cumprir o definido no art.º 59 do Estatuto dos Municípios, e no art.º 49 do regime financeiro das autarquias locais. O processo da perda de mandato do Presidente da Câmara Municipal ou do Vereador, está no Decreto Regulament­ar n.º 2/98, de 2 de Março.

De acordo com o Estatuto dos Municípios, há eleição intercalar quando há alteração da composição da Câmara Municipal (art.º 89), isto é, quando há renúncia de mandato de todos os eleitos e dos suplentes. Há dissolução da Câmara Municipal (art. º133), provocando também a eleição intercalar, quando houver ilegalidad­es graves (art. º 134) do Estatuto dos Municípios. Nestas duas situações, caberá ao Governo, enquanto tutela dos Municípios, nomear uma Comissão Administra­tiva, para assegurar a gestão corrente, até a convocação de nova eleição, no prazo de 90 e 120 dias seguintes, respetivam­ente. A diferença entre a alteração da composição da Câmara e a dissolução por ilegalidad­es greves, é que a última se resolve no contencios­o (art.º 133/2).

O que fazer se num Município não se cumpre nenhuma destas obrigatóri­as premissas legais e administra­tivas, e, a separação das competênci­as dos órgãos é inexistent­e, isto é, impera o provincian­ismo e o presidenci­alismo municipal?

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Samilo Moreira

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