5 de Julho em tempo de tripla crise
Há 47 anos Cabo Verde via declarada a sua independência do regime colonial português. A data foi comemorada esta terça-feira, com um conjunto de actos oficiais, entre as quais a habitual sessão solene na Assembleia Nacional e a deposição de coroa de flores no Memorial Amílcar Cabral, na Várzea. Houve ilhas e concelhos em que este 5 de Julho passou literalmente em branco.
Ecumpriu-se, uma vez mais, a tradição. Na Assembleia Nacional, com a presença dos mais altos representantes do Estado, Corpo Diplomático, Combatentes da Liberdade da Pátria e convidados nacionais e estrangeiros, o Presidente da República enalteceu o percurso do país, “de grandes desafios” que hoje permite fazer um balanço, “a todos os títulos positivos” e de “enormes conquistas”.
“Perante os atuais desafios, temos a obrigação de continuar a surpreender o mundo, com força, determinação, capacidade de resistência e resiliência, como já demonstrámos em situações muito mais difíceis”, encorajou o Chefe de Estado, certo de que “seremos igualmente capazes de superar as dificuldades do presente”, que intimam solidariedade e entreajuda.
Durante a sua intervenção, em português e língua cabo-verdiana, José Maria Neves evocou a memória e prestou uma “justa e merecida homenagem” a Amílcar Cabral, que “conseguiu personificar e interpretar o sentimento mais profundo e secular do povo cabo-verdiano” e saudou companheiros de Cabral, os Combatentes da Liberdade da Pátria, que tiveram o privilégio de protagonizar essa fase da história do país.
Desafios do Cabo Verde independente
Falando dos desafios actuais, numa altura em que o arquipélago é flagelado por uma “tripla crise” (seca, covid-19 e guerra na Ucrânia), o PR mostrou-se preocupado com a crescente insegurança alimentar e suas consequências, apelando para que se faça o que for necessário para acudir às famílias que estão a passar por maiores dificuldades e combater a pobreza extrema.
JMN deixou também palavras de apreço à diáspora cabo-verdiana, que, segundo disse, tem sido generosa e solidária com os familiares nas ilhas, particularmente nos momentos difíceis.
Num contexto que considera difícil, o PR reiterou a sua inteira disponibilidade em colaborar, associando-se à Nação, tanto na mobilização de meios, como em outras acções tendentes à mitigação das múltiplas crises que afectam o país, particularmente a população mais pobre.
Apelos à paz
Além do PR, a sessão do Parlamento contou igualmente com as intervenções do presidente da Casa, Austelino Correia, e dos representantes dos três partidos políticos, MpD, PAICV e UCID. Todos de um modo geral destacaram os ganhos e os problemas que o país ainda apresenta, volvidos os 47 anos da Independência Nacional.
Outro denominador comum foi o facto de todos os oradores terem destacado o facto de Cabo Verde, enquanto país democrático, ser amante da paz e contra a resolução de conflitos pela via militar. Uma alusão ao que se está a passar na Ucrânia.
Reforçar a magistratura de influência
O presidente da AN, Austelino Correia, chamou a atenção para a necessidade de uma “reforçada magistratura de influência, capaz de inspirar a Nação e promover a evolução da nossa vida política, através de um debate mais qualificado, com uma procura de entendimentos e de compromissos sobre tudo o que nos deve unir, mas também contra tudo o que nos possa dividir”.
Fazendo menção ao contexto de crise por que atravessa o país, o PAN reforçou que, é em momentos como este, que a nação precisa de “lideranças ousadas e visionárias, com vocação para unir as vontades e as forças mais relevantes das instituições e da sociedade, para fortalecer o ânimo dos cabo-verdianos em desafio a todas as dificuldades”.
UCID diz que objectivos ainda não foram cumpridos
O deputado da UCID, António Monteiro, salientou que a independência tinha um roteiro com objectivos claros que ainda não foram de todo alcançados.
“Isto demonstra que temos um longo caminho pela frente para se fazer cumprir Cabo Verde. A criação de oportunidades para todos os cidadãos cabo-verdianos, sem expceção, deve ser a regra de ouro e o desiderato maior da nossa independência”, defendeu.
“Passados estes 47 anos há muita coisa ainda por se fazer e não valerá a pena comemorar só por comemorar. É preciso darmos um outro significado valioso a esta data. É preciso resolver algumas pendências, purificarmos alguns pecados que ainda hoje afligem uma parte da sociedade cabo-verdiana que lutou para que o país fosse hoje, independentemente daquilo que gostaríamos, mas o que ele é”, acrescentou o deputado.
Monteiro sublinhou, igualmente, que é preciso resolver a situação dos cidadãos que, em 1975, se prontificaram para servir as Forças Armadas de Cabo Verde de forma voluntária patriótica, para que o país pudesse ascender à independência.
PAICV fala em desafios
O líder do grupo parlamentar do PAICV, João Baptista Pereira, afirmou, na mesma linha, que apesar dos “muitos ganhos”, são inúmeros os desafios que persistem para Cabo Verde. E apontou a recessão económica verificada no ano de 2020, do aumento da dívida pública para 155 por cento do PIB em 2021, e de uma franja considerável de cabo-verdianos que passa pela situação de vulnerabilidade alimentar como sendo questões que ainda precisam de atenção.
“Cerca de 181 mil pessoas, ou seja 32% da população, estão afectadas pelas crises de alimentos e de nutrição em Cabo Verde e estão enfrentando insegurança alimentar”, alertou.
Os desafios, segundo este deputado, se estendem ao turismo, transportes, educação e habitação, bem como a qualidade da democracia cabo-verdiana.
MpD pede trabalho conjunto
O presidente do grupo parlamentar do MpD, João Gomes, realçou, por sua vez, o contexto adverso em que Cabo Verde celebra mais um aniversário de independência nacional e exortou para que se faça um trabalho conjunto para superar as adversidades.
“Estamos, inequivocamente, num momento de crise. E para situações excepcionais são necessárias soluções excepcionais”, sublinhou o deputado, para quem este é um momento de especial responsabilidade.
“A nossa vontade e disponibilidade fica aqui expressa, conscientes de que é este o desejo dos cabo-verdianos, e que é este o sentido de responsabilidade que o país reclama de nós. O desafio está lançado, exactamente, no dia em que comemoramos mais um aniversário da nossa independência, renovando o nosso compromisso de tudo fazer para edificar um Cabo Verde próspero e desenvolvido”, garantiu João Gomes.