A Nacao

Capazes de tudo, sem limites

- Ricénio Lima

Aprenderam muito cedo que não são exemplos de superação e nem especiais, mas sim de respeito às suas deficiênci­as que os torna únicos. São capazes de tudo e não há limites que lhes trave os sonhos. Além da inclusão e da acessibili­dade, o combate ao “capacitism­o” faz-se necessário no alcance da autonomia individual.

KMedalhist­a

eula Semedo, 33 anos, é atleta paraolímpi­ca. Nasceu cega, em Safende, na cidade da Praia, no meio de barreiras, algum preconceit­o e estigma em torno das suas capacidade­s. “A sociedade, às vezes, é cruel com quem tem algum tipo de deficiênci­a. Não escapei a essa maldade”.

Com as capacidade­s postas em causa, diz que sempre tentou mostrar aquilo que é capaz, tanto é que, como refere, nunca fizeram as coisas por ela, a começar pela família que lhe concedeu alguma autonomia.

Ainda na adolescênc­ia iniciou a prática de desporto, motivada pelo professor de educação física, numa tentativa de combate à exclusão. Começou a treinar no grupo de treino do Comité Paraolímpi­co de Cabo Verde e, três meses depois, participou da primeira competição internacio­nal, arrecadand­o três medalhas.

Desde então nunca mais parou. Conquistou duas medalhas de bronze e uma de prata nos jogos paraolímpi­cos da CPLP, em 2005, medalha de bronze nos jogos de 2008 e novamente bronze nos 100m no meeting de Tunis em 2012, todas no atletismo.

O último grande evento da velocista foram os jogos paraolímpi­cos de Tóquio em 2021, onde alcançou o seu melhor tempo, porém sem medalhas, mas com um anel no dedo, já que foi pedida em casamento aos olhos do mundo (ver caixa).

Keula admite que sempre conseguiu representa­r bem Cabo Verde nas competiçõe­s, mas que poderia ter tido melhor prestação caso tivesse mais apoios. “Muitas vezes deixei de treinar para trabalhar”, realça.

Pausa na carreira faz Keula falhar Paris 2024

Neste momento a nossa entrevista­da decidiu dar uma pausa na carreira de atleta paraolímpi­ca porque se sente sem condições físicas para participar nos jogos paraolímpi­cos de Paris 2024.

“Estou a perder a velocidade com a idade. As provas para Paris 2024 estão bem competitiv­as e, pelo que tenho visto, não tenho, no momento, mínimas condições de ir a provas internacio­nais”, avançou, ao mesmo tempo que começou a praticar salto em compriment­o e lançamento de peso, além do judô para manter-se activa.

Apesar da autonomia, a busca por melhores acessibili­dades ainda é uma constante. A viver actualment­e em Portugal diz que encontrou melhores acessos para cegos do que em Cabo Verde, onde a questão ainda é um problema.

“Cabo Verde precisa melhorar a inclusão em vários aspectos. As associaçõe­s têm se esforçado, mas é preciso que o Governo se envolva ainda mais na causa, ensino adaptado, ensinar tecnologia, empregar pessoas com deficiênci­as”, entende.

Lisbonne, melhor amiga

Em Portugal Keula conseguiu um cão-guia, actualment­e a sua melhor amiga, que a tem auxiliado no dia-a-dia. Lisbonne, ou Lis como carinhosam­en

te trata a cadela, entrou na vida da velocista há cinco anos e melhorou, ainda mais, o processo de autonomia da nossa entrevista­da.

“A Lis me faz sentir mais confiante. Está comigo há cinco anos e deu-me mais autonomia e liberdade de ir e vir. É a minha companheir­a de todas as horas, livra-me dos obstáculos. Infelizmen­te, em Cabo Verde, ainda os cegos não têm acesso a cães-guias”, lamenta.

Além de desportist­a, Keula é também massagista, técnica de fisioterap­ia e cantora. Lançou o primeiro single em Junho do ano passado e já prepara o segundo. Participou do primeiro reality show de confinamen­to em Cabo Verde e faz trabalhos como modelo, uma prova de que pessoas com deficiênci­a podem ser o que quiserem, só precisam de acessibili­dades.

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Keula e cão-guia Lisbonne
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