Cimeira pela Democracia de Biden com a guerra da Ucrânia como pano e música de fundo
Joe Biden, presidente dos EUA, pediu ontem ao mundo que se una na luta pela democracia, condenando por isso a Rússia pela invasão da Ucrânia. Cabo Verde, através de Ulisses Correia e Silva, voltou a estar presente, desta feita entre os 121 países convidados.
ACimeira pela Democracia, criada por Joe Biden e que hoje termina, deve trabalhar para “responsabilizar a Rússia” pela guerra na Ucrânia e “mostrar que as democracias são fortes e determinadas”, declarou o presidente dos EUA, durante um breve comentário introdutório na manhã de ontem, em Washington, sobre o encontro.
Apoiar a democracia no mundo
Coincidindo com o início do conclave, e à semelhança da edição anterior, a Casa Branca anunciou que os EUA vão investir cerca de 600 milhões de dólares num programa para fortalecer a democracia no mundo. Os fundos vão juntar-se ao orçamento antealiados) assumido pelos EUA no âmbito do programa ‘Iniciativa Presidencial para a Renovação Democrática’, adotado em 2021.
De novo, este envelope deve servir para promover a realização de eleições justas e livres, a defesa dos direitos humanos e da liberdade de imprensa, bem como o combate à corrupção.
No entanto, este debate, do qual os EUA procuram aparecer como o farol da democracia mundial, está longe de ser fácil. Além de ter um adversário como Donald Trump, mesmo entre aliados importantes há sinais de avanço do iliberalismo, o que dificulta a magistratura moral da América quando tem pela frente a Rússia e a China.
Por exemplo, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, abalado pela rejeição do projecto de reforma da justiça altamente contestado, que passa por protege-lo da justiça, afirmou que a aliança entre seu país e os EUA era inabalável e que Joe Biden é seu amigo há 40 anos.
Depois de anunciar uma pausa na sua reforma na segunda-feira, Netanyahu defendeu, ontem, que é sempre possível alcançar um equilíbrio entre “a necessidade de reforçar os poderes executivo e legislativo e (…) a de proteger os direitos individuais”.
Na véspera, Joe Biden havia declarado que esperava que o Governo israelita renunciasse à reforma. “Eles (Netanyahu e os seus não podem continuar neste caminho e acho que me fiz entender”, avisou.
Narendra Modi, primeiro-ministro indiano, criticado por ter expulsado uma importante figura da oposição do parlamento na sexta-feira passada, chamou a Índia de “a mãe da democracia” e, numa indirecta aos EUA, reivindicou essa pretensão como algo que “não é apenas uma estrutura, mas também um espírito”.
Rússia e China, com Ucrânia pelo meio
Desde o primeiro momento que a guerra na Ucrânia serviu de ponto de partida para os trabalhos e os discursos. Aliás, desde que o conflito com a Rússia começou, que a maior parte dos esforriormente
ços diplomáticos dos EUA estão concentrados nessa parte do globo.
Menos alinhadas com Washington estão obviamente a Rússia e a China, dois dos países que ficaram de fora do conclave virtual e que, por causa disso, não esconderam as críticas ao evento que dizem ter como objectivo dividir o mundo e ser uma “manifestação de práticas neocoloniais” por parte dos norte-americanos.
Para a porta-voz de Pequim, Mao Ning, com tantos problemas internos, “os EUA estão a realizar outra Cimeira pela Democracia em nome da promoção da democracia, um evento que descaradamente traça uma linha ideológica entre países e cria divisões no mundo. O acto viola o espírito da democracia e revela ainda mais a busca dos EUA pela primazia por detrás da fachada da democracia”.
Para Moscovo, a cimeira visa apenas servir os interesses globais de Washington, com a porta-voz do Ministério de Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, a dizer que espera muitas declarações anti-russas e “hipocrisia pomposa” do encontro de três dias.
“Acreditamos ser o cúmulo da hipocrisia da parte das autoridades norte-americanas reivindicar a liderança na promoção dos valores democráticos numa escala global quando a sua reputação nesta área não pode sequer ser considerada dúbia, está completamente destruída”, referiu num comunicado.
O Departamento de Estado, este, recusou-se a explicar os critérios para a escolha dos países convidados, num total de 121, oito a mais que o anterior encontro. “Não estamos à procura de definir que países são, ou não, democracias”, disse um porta-voz, citado pela AFP. “Pretendemos ser inclusivos e representativos de uma lista de países com diversidade regional e socioeconómica”, acrescentou.
Mundo mais autocrático
No entanto, desde a primeira Cimeira pela Democracia, que o mundo se tornou mais autocrático. Segundo o último relatório do instituto de pesquisa V-Dem, 72% da população mundial (5,7 mil milhões de pessoas) vivia numa autocracia no ano passado, dos quais 2,2 mil milhões (28%) em autocracias fechadas (onde nem sequer há eleições).