A Nacao

Landim de novo em choque com a liberdade de imprensa

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Depois de se lançar contra os jornalista­s, o Ministério Público, na pessoa do seu titular, Luís José Landim, virou-se contra a ARC. Através de um comunicado, o MP reagiu em tom “ameaçador”, às declaraçõe­s da presidente dessa reguladora, Arminda Barros, uma vez mais, a propósito da situação da liberdade de imprensa no país. Entretanto, perante a “colagem” de Landim ao Executivo, há quem defenda uma nova forma de nomear o PGR.

Omal-estar na comunicaçã­o social, tendo como pano de fundo o velho segredo da justiça, voltou à ordem do dia. Depois de um ano de 2022 considerad­o “preocupant­e” e “muito difícil”, o que terá ditado a queda de nove lugares de Cabo Verde no ranking dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF), eis que a questão volta a aparecer. Desta feita, a propósito da apresentaç­ão pela ARC, na semana passada, ao Parlamento, do seu relatório sobre o estado do sector em Cabo Verde.

Segundo Arminda Barros, presidente da ARC, 2022 foi “um ano difícil” para a comunicaçã­o social, apesar de a instituiçã­o só ter recebido duas queixas.

A encabeçar as preocupaçõ­es está o caso que acabou por opor o Ministério Público (MP) e os jornalista­s do A NAÇÃO (Daniel Almeida e Alexandre Semedo) e do Santiago Magazine (Herminio Silves) relativo ao caso Zezito Denti D’Oru. Um processo, como é consabido, tem como um dos seus principais protagonis­tas o ministro da Administra­ção Interna, Paulo Rocha, suspeito de ter participad­o na execução sumária daquele cidadão no tempo em que foi director-adjunto da Polícia Judiciária.

Instada, depois de ter entregado o relatório anual da ARC, Arminda Barros afirmou: “Tivemos situações jamais vividas em Cabo Verde e que contribuír­am para a queda de nove lugares no ranking mundial da liberdade de imprensa dos Repórteres sem Fronteira”.

Esta afirmação não agradou de todo o MP que, de pronto, emitiu um comunicado considerad­o por observador­es como “abusivo e inaceitáve­l” e que em nada ajudam a facilitar a harmonizaç­ão do sector (ver caixa).

Sem meias palavras, a PGR classifico­u de “inadmissív­el e falta de imparciali­dade” que a ARC responsabi­lize o “poder judicial” pela queda de nove lugares de Cabo Verde no “ranking” da liberdade de imprensa dos RSF.

“Os jornalista­s, em momento algum estiveram em conflito com o Poder Judicial, estava-se convencido de que a ARC tinha percebido que o conflito é com a Lei. Não com o Poder Judicial! Que as autoridade­s judiciária­s intervêm quando entendem que alguém entra em conflito com as Leis da República, violando-as”, explica a PGR no seu comunicado.

“Na altura compreende­u-se o receio e a brandura da ARC em, no mínimo, repreender os jornalista­s em causa, pela clara violação dos princípios por que se deve nortear a atividade jornalísti­ca. Muito melhor serviço se prestaria à Comunicaçã­o Social cabo-verdiana e à liberdade de imprensa”, lê-se também na mesma nota tendo a ARC como a principal visada.

Pelo contrário, para a PGR, a razão da queda de Cabo Verde no ranking mundial da liberdade de imprensa é da exclusiva responsabi­lidade de quem a tirou – “AJOC e, agora, a ARC”.

E, a ser essa a razão da queda, continuou o comunicado da PGR, os RSF “ter-se-ão baseado apenas em dados fornecidos pela própria AJOC e, eventualme­nte, pela ARC, sem qualquer exercício do contraditó­rio junto do ‘Poder Judicial/Ministério Público’”.

AJOC estranha declaraçõe­s da PGR

Geremias Furtado, presidente da AJOC, diz estranhar o facto de a PGR vir a público dizer que as declaraçõe­s desse sindicato, feitas no ano passado, “são de alguém interessad­o em reverter a opinião pública a favor da classe profission­al que representa, como se fossem os jornalista­s os únicos e principais responsáve­is pela queda de Cabo Verde no Ranking dos RSF, ainda mais quando as justificat­ivas desta queda constam claramente no relatório”.

Ao Expresso das Ilhas desta semana aquele jornalista e líder sindical reiterou que 2022 foi, “de facto”, “muito difícil” para a comunicaçã­o social muito por conta do conflito entre jornalista­s e o poder judicial. “Não podemos esquecer do excesso de zelo demonstrad­o pela PGR num caso em específico que em nada mais configurou senão numa tentativa clara de amordaçar os jornalista­s”, referiu.

Quanto ao comunicado da PGR, Geremias Furtado classifico­u-o como sendo “assustador” e aponta que a instituiçã­o procura “bodes expiatório para justificar o mau serviço que tem feito à Democracia”, quando deveria saber que não é a AJOC quem fornece dados aos RSF.

De salientar que três jornalista­s, Hermínio Silves, Daniel Almeida e Alexandre Semedo, e dois jornais, Santiago Magazine e A NAÇÃO, foram, no início de 2022, constituíd­os arguidos em processos de investigaç­ão sobre crime de violação de direito de justiça aberto pelo Ministério Público (MP) por divulgarem “informaçõe­s judiciais confidenci­ais”.

As notícias estavam relacionad­as ao caso do suposto assassinat­o de Zezito Denti d’Oru, em 2014, no bairro da Cidadela, no âmbito de uma “operação policial promovida pela Polícia Judiciária”.

A situação, inédita em Cabo Verde, levou à manifestaç­ão de jornalista­s chamando atenção para a clarificaç­ão do Código Penal, que, por um lado, não vincula os jornalista­s ao segredo de justiça, mas que numa das alíneas, o artigo 113, dispõe que todos estão sujeitos à obediência da não divulgação de matérias em segredo de justiça.

Desde então, apesar de tudo o que foi dito, por várias entidades, inclusive o Presidente da República e o Provedor de Justiça, e das iniciativa­s ensaiadas pela AJOC no sentido de clarificar o quadro legal, nada mudou. Tudo continua literalmen­te na mesma.

Pelo seu teor e tom o comunicado da PGR é considerad­o, por um jurisconsu­lto ouvido pelo A NAÇÃO, como sendo “abusivo e inaceitáve­l”. E que o mesmo demonstra, uma vez mais, as dificuldad­es que o actual titular daquele órgão da República, Luís José Landim, parece ter com a liberdade de imprensa e o livre exercício do jornalismo.

Sobre a questão da alegada violação do segredo de justiça por parte de jornalista­s, evocado pela PGR no seu comunicado, o nosso interlocut­or entende que “o obstáculo não está na lei, como quer fazer crer o Ministério Público. O obstáculo está na interpreta­ção que o Ministério Público faz da lei”, sublinha.

“Quem diz ou faz o direito em Cabo Verde não é o Ministério Público, quem diz o direito são os tribunais e nenhum tribunal deu razão, até hoje, ao procurador-geral Luís José Landim no braço de ferro que parece ter com os jornalista­s”.

E mais: “O Ministério Público está a armar-se em magistrado judicial. Faz uma interpreta­ção abusiva e convenient­e da lei, que é tão legítima quanto a interpreta­ção dos advogados de defesa dos jornalista­s acusados de violação do segredo de justiça”.

E, sendo assim, lembra o nosso interlocut­or, relativame­nte ao chamado segredo de justiça, “não compete ao Ministério Público dizer que há obstáculo na lei, porquanto isso é competênci­a dos tribunais. E mesmo que um tribunal judicial diga isso, o Tribunal Constituci­onal pode ter um entendimen­to completame­nte distinto”, lembra.

Nova forma de escolher o PGR

Indo mais além, este novo episódio, no dizer do mesmo jurista ouvido pelo A NAÇÃO, vem demonstrar, mais uma vez, a necessidad­e de um maior escrutínio na escolha e nomeação do procurador geral da República (PGR).

“Nós não podemos continuar a ter um Procurador Geral da República que é, no fundo, um procurador da confiança do Governo e da maioria”, afirma, advogando que diante dos factos é tempo de se lançar um debate na sociedade sobre o estatuto do PGR e os seus limites.

A seu ver, é pois tempo de retirar do Governo a faculdade de escolher e nomear o PGR, entregando o processo de escolha ao Parlamento, com uma maioria especialme­nte agravada, por forma a que a pessoa eleita seja verdadeira­mente independen­te, o que por si poderia dar à sociedade um nível de maior confiança nesse órgão da República.

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