A Nacao

Rússia amplia presençapo­lítica no Sahel

-

Alimentada por armas, ouro e redes sociais, uma nova “Guerra Fria” entre a Rússia, os Estados Unidos e a França se desenvolve rapidament­e no centro e oeste da África, em uma região conhecida como Sahel. Nos últimos anos, o governo do presidente russo, Vladimir Putin, aumentou a presença militar, política e de propaganda em países como Chade, Mali, República Centro-Africana e Burkina Fasso.

Com isso, Putin tem alguns objetivos. O primeiro é ocupar o vácuo de poder deixado por sucessivos fracassos da França na região. Além disso, o líder russo pretende reduzir seu isolamento internacio­nal e aumentar sua influência em países em desenvolvi­mento. No longo prazo, isso permite que o Kremlin amplie seu antagonism­o com Estados Unidos e União Europeia.

O foco mais recente dessa estratégia é o Chade, um país amplo e deserto que ocupa uma posição estratégic­a no continente africano. Ali, mercenário­s russos do Grupo Wagner têm treinado rebeldes que tentam derrubar o governo interino de Mahamat Idriss Déby Itno. Ao mesmo tempo, a Rússia corteja simpatizan­tes dentro da elite governante do Chade, incluindo ministros do gabinete presidenci­al e um meio-irmão do presidente.

Conhecido por ser uma milícia privada de elite próxima a Putin, com atuações na guerra na Ucrânia, o Grupo Wagner também tem bases na República Centro-Africana, no Mali e em Burkina Faso, onde auxiliam governos locais a executar operações de segurança e inteligênc­ia, segundo o Carnegie Endowment For Peace, um centro de estudos com base em Washington. ATIVIDADES. No Sahel, combatente­s do Grupo Wagner lutam contra rebeldes islamistas no Mali, trabalham de guarda-costas para o presidente da República Centro-Africana e mineram ouro em vários países, incluindo Sudão. Campanhas em redes sociais nesses países também buscam propagar uma imagem positiva do presidente Vladimir Putin.

O aumento da influência russa no Sahel ganhou força nos últimos meses e tem suas raízes na perda de influência da França sobre suas ex-colônias. Ao explorar o sentimento antifrancê­s na região, Putin cultiva aliados e tenta afastá-los de europeus e americanos.

A França retirou suas tropas do Mali em 2022, após uma década de esforços antiterror e de estabiliza­ção fracassado­s, o ressentime­nto local da brutal história colonial francesa e uma sequência de golpes militares que azedaram a relação entre a ex-colônia e a ex-metrópole.

VIOLÊNCIA. Como o Mali, Burkina Faso está mergulhado na violência. Seu governo controla apenas cerca de 60% do território do país e a violência continua a se espalhar. E, assim como no país vizinho, golpes consecutiv­os em 2022 fizeram com que os laços do país com a França perdessem força.

Em Burkina, o sentimento antifrancê­s também está profundame­nte arraigado e os protestos contra Paris são comuns na capital, Ouagadou

gou, onde a nova liderança militar pediu a retirada do embaixador francês em dezembro de 2022. No mês seguinte, o governo de Burkina Fasso pediu à França que retirasse todas as suas forças do país.

Maior em território do que Reino Unido, França e Alemanha combinados, o Chade tem sido um importante aliado de Paris há décadas, usado pelas Forças Armadas francesas para treinament­os e como base de operações. Nos anos 80, a

CIA apoiou um líder brutal no Chade, Hissène Habré, posteriorm­ente condenado por crimes de guerra.

O atual líder do Chade, Mahamat Idriss Déby, ascendeu ao poder em 2021, depois que o seu pai, líder autocrátic­o do Chade por três décadas, foi morto em uma batalha contra rebeldes. Déby permaneceu próximo à França, mas a aliança foi desgastada por uma repressão brutal contra manifestan­tes pró-democracia, em outubro, que deixou 128 mortos, de acordo com o organismo nacional de direitos humanos do Chade.

Em um giro recente por quatro países africanos, o presidente francês, Emmanuel Macron, reconheceu a onda crescente de sentimento anti-França e prometeu uma nova era de parcerias.

Para alguns africanos, a mostra de humildade veio tarde demais. “O povo do Chade não quer os franceses”, afirmou o vendedor ambulante Hal trabalha nas ruas de Ndjamena, a capital do Chade. “Os russos pelo menos querem nos ajudar. Os franceses só vão atrás dos próprios interesses.”

PROJEÇÃO. Essa estratégia de projeção geopolític­a russa na África acionou alertas nos Estados Unidos. O governo americano alertou recentemen­te o presidente do Chade de que mercenário­s russos planejavam assassiná-lo. Segundo os americanos, Moscou está apoiando rebeldes que pretendem derrubar o governo chadiano refugiados na República Centro-Africana.

A decisão do governo dos EUA de compartilh­ar informaçõe­s sensíveis de inteligênc­ia com um chefe de Estado africano – posteriorm­ente divulgada por Washington – revela uma das maneiras com que o governo Biden tem se movido mais assertivam­ente na África e usado novas táticas para entravar avanços russos no continente. Essa estratégia foi usada inicialmen­te na Ucrânia, quando os americanos usaram informaçõe­s secretas para expor os planos militares dos russos, com bons resultados.

“Onde o Grupo Wagner esteve presente, coisas ruins inevitavel­mente se seguiram”, afirmou o secretário de Estado americano, Antony Blinken, durante uma visita ao Níger, no dia 16.

Esta viagem, durante a qual Blinken prometeu US$ 150 milhões em ajuda para a região do Sahel, foi a quarta visita à África de uma autoridade de alto escalão dos EUA este ano. A secretária do Tesouro, Janet Yellen, a embaixador­a nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, e a primeira-dama, Jill Biden, o antecedera­m. A vice-presidente americana, Kamala Harris, iniciou este mês um giro por Gana, Tanzânia e Zâmbia, e o presidente Joe Biden promete uma viagem para a África posteriorm­ente este ano.

RIVALIDADE. Para muitos na África e em outras regiões, a rivalidade exacerbada entre grandes potências remete à Guerra Fria, em que EUA e União Soviética apoiavam líderes africanos rivais, incluindo ditadores. Trata-se de uma comparação que o governo Biden busca desesperad­amente evitar, porque sua estratégia na África, anunciada pomposamen­te por Blinken no ano passado, na África do Sul, apresenta os países africanos como parceiros valiosos e valorosos, em vez de meros peões em uma disputa internacio­nal.

De sua parte, líderes africanos têm deixado claro que não querem ser forçados a escolher de que lado se posicionam. “A África já sofreu demais com o fardo da história”, disse o presidente da União Africana, Macky Sall, à Assembleia-Geral da ONU, em setembro. “Ela não quer ser o celeiro de uma nova Guerra Fria.”

Outros se preocupam com a possibilid­ade de um retorno a uma confrontaç­ão ao estilo Guerra Fria pôr fim a aspirações democrátic­as. Os EUA não deveriam se aproximar de líderes autoritári­os, como o presidente do Chade, para evitar que eles sejam atraídos para a órbita russa, afirmou Succès Masra, o principal líder da oposição.

“Seria um grande erro para o presidente Biden se aliar com Déby”, afirmou Masra, falando pelo telefone dos EUA, para onde fugiu depois do massacre de manifestan­tes, em outubro.

“No longo prazo, a melhor maneira para os EUA protegerem seus interesses no Chade é apostar na democracia”, acrescento­u.

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Cabo Verde