Hélio Batalha regressa às origens com De Cairo a Cabo
Chama-se Hélio, mas a sua batalha doravante é outra. Depois de mais de 15 anos mergulhado, a partir de Cabo Verde, na tendência musical RAP, ritmo com raízes nos EUA, Hélio Batalha faz agora um “turning-point” e regressa às origens numa espécie de “back to África”, depois de atravessar todo o continente, de Norte a Sul. De resto, este acaba por ser o leitmotiv para dar nome ao seu novo álbum de originais: “De Cairo a Cabo”.
“Não, o ponto de chegada não é o Cabo de Cabo Verde, é a cidade do Cape Town, na África do Sul, numa travessia a partir do Egipto, de uma ponta a outra do continente”, explica Hélio Batalha ao A NAÇÃO.
Nova bandeira
O artista, que começa a despir a pele de rapper com a qual ainda tende a ser identificado e cognominado, estriba-se agora no Afro Beat, cita Amílcar Cabral e volta a recordar a unidade africana. “Rap já não é a minha bandeira!”, proclama, para depois explicar melhor:
“Quero, sim, um RAP cada vez mais endógeno, mais nosso, cada vez mais cabo-verdiano, mais africano, porque todas as lutas vão ao encontro da nossa emancipação, de todas as formas: na música, culinária, vestuário, moda, etc. Esta é minha visão”, confessa.
“Mas isso é uma fuga”, cutuca-lhe Bianca Cardoso, a apresentadora da Rádio Alfa, o palco que Hélio escolheu para, em Cabo Verde, dar a conhecer “De Cairo a Cabo”, em primeira mão.
“Não, não há fuga, há que dar conta constante da minha caminhada, aproximar-me diariamente lá onde quero chegar”, responde, para depois se questionar e responder ele mesmo à sua ambição artística, lembrando Amílcar Cabral, mais uma vez, mas agora com um toque filosofal:
“Aonde quero chegar? Ao meu continente, trazê-lo para meu povo, conhecer melhor os sons e a cultura e aproximar os nossos irmãos. Cabral pregava: ‘unidade e luta’. Sim, se estivermos fragmentados, divididos, etc., a luta é mais dolorosa. Então, esta é minha filosofia, talvez alcançar uma unidade, trazer agora um alento à raça africana. Sou um mensageiro, há coisas que não entendo, mas estou aqui por alguma razão. As pessoas chegam até mim e dizem: ‘Batalha, Batalha, tua música mudou-me!’ Eis a minha satisfação”.
Grito da liberdade
“De Cairo a Cabo”, lançado a 28 de Abril, é um álbum de 14 faixas musicais inéditas. Entre outras, “Só Bensons” – uma narrativa virada para a paz, para espiar os pecados; “Cima Nu Sta Nu Ka Podi Fika” – uma perspectiva de revolta para a mudança; “Minina d’Sombentu”; “Ka mesti Candero” – a tal ideia de consciência própria, de autocondução; “Kurandeiro”, em dueto com Loony Johnson; “Dexas Flá” e “Dexan Buá”, o grito da liberdade, lado-a-lado com Sónia Sousa.
E é esta última faixa – a maior de todas – o manifesto que ele dedica aos seus fãs e seguidores, o sucesso anunciado do álbum, que já vai em mais de dois milhões de visualizações no YouTube e em vários streamings em outras plataformas digitais.
Surgiu basicamente de uma residência artísticas em S. Vicente, com vários artistas da sua produtora e alguns outros e produtores que vieram do continente, e outros ainda que vivem em Cabo Verde, uma outra filosofia. “Quando a lançámos, toda a gente a cantava, vinham ao meu encontro e diziam: ‘Hélio, tu não me deixas em paz com esta música, ‘Dexan Buá’ não me sai da cabeça’”.
Carreira
Hélio Batalha começou a sua vida artística em 2007, com o primeiro álbum. Desta data até ao presente, lançou “Golpe de Stadu – Vol. I e Vol. II”, “Selvas de Pedra”, “Carta de Alforria” e “Selva de Pedra”. Tempos em que fervilhavam na sua mente mentores como os espanhóis Nach ou Tote King, o santomense Pekagboom e o moçambicano Mano Azagaia (RIP), “o maior de todos, um pai”, como diz Batalha.
Nesta nova reviravolta, agora em direcção à Africa, emergem, concomitante, outros mentores: Tcheka, Mayra Andrade, Hélida Almeida, Bob Marley, o grupo Bulimundo, etc.
Muita coisa mudou? Sim, inclusive o foco. Mas o peito mantém-se aberto e a voz firme e hirta, agora na emancipação afro, só possível por uma conscientização colectiva, à escala do continente, sendo ele mesmo, Hélio Batalha, o exemplo das adversidades, um artista que “saiu da comunidade, sem nenhumas condições económicas, órfão aos nove anos de idade, que lutou para ter visibilidade, que conseguiu trazer RAP cabo-verdiano para um outro patamar e que agora quer voar, no próximo álbum, para outros ritmos, outras sonoridades, outras latitudes”, com Marrocos, Senegal e outros feelings na mira.