A Nacao

Compartilh­ando a dor...

- *Reverendo, voluntário nas Unidades das Forças Armadas de Cabo Verde Luiz Roberto Nunes*

ao Sargento Arlindo, Primeiro Cabo Ailton, Segundo-Cabos Hernany, Igor, Moisés; e aos Soldados Gilmário, Humberto e Cleyton.

Com 57 anos de idade, me identifico muito com as Forças Armadas de Cabo Verde por alguns motivos. Temos a mesma idade, embora nascidos em anos diferentes. Também nasci num dos países da América, vindo depois residir em Cabo Verde, sendo a mesma situação das Forças Armadas que nasceu na América Central, mais precisamen­te em Cuba.

Outra forma com a qual me identifico é com a vontade de servir, inserido em todo o contexto da entidade militar, o qual também faz parte da minha experiênci­a de vida. Sei que algumas vezes tanto para mim quanto para as Forças Armadas o servir é um ato obrigatóri­o, mas em nada tira o seu valor e brilhantis­mo.

Obviamente me agrada que no lema da conhecida entidade Castrense faça parte o “Lutar e Vencer” e o tempo juntamente com o espaço não permite aqui discorrer sobre esse binômio.

Entretanto tenho uma outra identifica­ção com a tropa que passa por algo que é dos mais desagradáv­eis: a fatalidade. Recentemen­te, exatamente na manhã do dia 2 de Abril durante a mensagem que trouxe em nossa Igreja, ao abordar esse assunto, fiz uma breve pesquisa online sobre o significad­o dessa palavra, e encontrei a seguinte descrição:

“Caracterís­tica ou particular­idade do que é fatal.

Aquilo que não se consegue evitar; fado ou fatalismo.

Circunstân­cia marcada por uma infelicida­de; desgraça.” Ao aparecer uma palavra na definição com a qual não estava familiariz­ado, fui em busca do significad­o da mesma: fado! “Aquilo que tem que ser; o que acontece independen­temente da vontade humana; destino, sina, vaticínio, oráculo, profecia.” Fiquei espantado. E naquela manhã de Abril, os que acompanhar­am a mensagem online no Facebook em nossa página, intitulada “Resposta a uma pergunta difícil!” se deram conta de que por mais triste que seja, por mais infeliz que possa ser, as fatalidade­s vão sim ocorrer e não há nada que eu ou qualquer outra pessoa possamos fazer para lhes impedir!

Sei o que isso significa pessoalmen­te por ter passado por situações assim. A mais marcante inclusive saiu na Comunicaçã­o Social através de reportagem no Jornal da Noite da RTC, quando minha esposa bateu na traseira de um auto-carro em frente o antigo depósito do BCV na Praia da Gamboa.

Naquela fatalidade, quase perdemos o nosso filho mais novo, com 11 anos que ficou encarcerad­o, preso, nas ferragens... Obviamente para os “críticos de plantão” uma mulher conduzindo uma Hyace de 16 passageiro­s, que bate na traseira de um auto-carro, está totalmente errada.

Escusado mencionar que o sentinela em frente ao Banco, as câmeras de vigilância naquele local e as pessoas no veículo, bem como alguns no auto-carro, viram quando um taxi passou por detrás da Hyace, lhe arremetend­o na traseira do auto-carro que estava parado pegando passageiro num lugar totalmente errado. Mas isso não pode fazer parte da narrativa pois vai na contra mão da “lógica”: uma mulher que bateu atrás de um outro veículo significa que está errada.

Assim, a fatalidade que por si só já é cruel, horrível, um enorme sofrimento por quem por ela passa, ainda ganha áreas de tragédia por conta das narrativas desmensura­das e muitas vezes levianas na busca de se encontrar respostas para o inexplicáv­el, aumentando ainda mais a dor de tais momentos.

Sofremos calados. Mas consciente­s de que nenhuma mãe não atiraria um veículo com o seu filho mais novo servindo de escudo nas traseiras de um auto-carro se algo maior não tivesse lhe impulsiona­do por trás. Tal sujeito oculto evadiu o local e ninguém até hoje se interessou em encontrá-lo. A bem da verdade, encontrar o sujeito não amenizaria a dor pela qual meu filho fisicament­e passou, nem a dor que passamos e convivemos emocionalm­ente ao longo desses anos.

Tal fato apenas adiciona ingredient­es ao cenário da fatalidade. Por mais que resista em admitir, aqui está outra semelhança de minha parte com as Forças Armadas, que numa escala muito maior tem sofrido com aquilo que é definido como “Caracterís­tica ou particular­idade do que é fatal. Aquilo que não se consegue evitar; fado ou fatalismo. Circunstân­cia marcada por uma infelicida­de; desgraça; Aquilo que tem que ser; o que acontece independen­temente da vontade humana...”

Tenho absoluta certeza, e maior respeito ainda pela pessoa do Primeiro Cabo Ailton, pessoa com quem tive o prazer de conviver e utilizar de sua bondade e presteza em tudo que fazia, que se ele pudesse hoje se defender verbalment­e, diria como não houve nada que ele poderia ter feito para evitar tamanha perda, que mesmo com o sacrifício de sua própria vida, não pode evitar essa horrível fatalidade.

Sinceramen­te posso apenas imaginar, de uma maneira muito pequena comparado com a imensa realidade do que verdadeira­mente é, a dor da esposa e dos filhos que ficaram, como todos nós, sem respostas mas pior ainda sem o ente querido. Dor essa compartilh­ada e aumentada peHomenage­m los familiares dos outros 7 que perderam suas vidas naquela tarde do dia 2 de Abril.

Se houvesse algo que euzinho pudesse fazer para evitar esse acontecime­nto, faria sem titubear, ainda que custasse a minha própria vida. Mas nada posso eu ou qualquer outra pessoa fazer para retroceder e impedir o que ocorreu naquele dia, que podia ser ainda muito pior, houvera não havido livramento para os outros 23 soldados que ali também se encontrava­m.

Não tenho como explicar. Apenas pedir a DEUS o conforto para os familiares que perderam os entes queridos, pessoas com as quais tive o privilégio de conhecer e conviver, e a tristeza de ter que ir resgatá-los. Nunca havia passado por tal situação em todos esses anos de vida. Mas era o mínimo que poderia fazer em respeito a todos eles, acompanhá-los post mortem e também procurar apoiar os que sobreviver­am a essa tragédia.

Continuo mais do que nunca pedindo a DEUS por todos os integrante­s das Forças Armadas de Cabo Verde, rogando a DEUS consolo aos familiares que perderam seus entes queridos e total recuperaçã­o aos que foram feridos. Não há nada que possa fazer para amenizar a dor e sofrimento de todos os envolvidos. Mas posso crer e creio, que DEUS pode. Em total depedência dELE, é o que faço, implorando a ajuda Divina nesse momento que procuro compartilh­ar da dor.

Sim, somente DEUS sabe o que compartilh­ar a dor realmente é, pois no Salmo 10 verso 14, a Bíblia diz: “Mas Tu (DEUS) enxergas o sofrimento e a dor; observa-os para tomá-los em Tuas mãos. A vítima deles entrega-se a ti; tu és o protetor do órfão.”

“Homenagem ao Sargento Arlindo, Primeiro Cabo Ailton, SegundoCab­os Hernany, Igor, Moisés; e aos Soldados Gilmário, Humberto e Cleyton.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Cabo Verde