A Nacao

Um problema estrutural e persistent­e

-

Presidente da República de Cabo Verde, que é o garante da Unidade da Nação e do Estado, dirigiu-se, nestes dias, aos cabo-verdianos, abordando questões que têm a ver com a governação do país. Esse facto gerou muita controvérs­ia nas redes sociais, o que é normal e esperado num Estado democrátic­o.

No meio disso tudo, tem-se falado, como se de um facto novo se tratasse, do “flagelo” da excessiva partidariz­ação da Administra­ção Pública, entidade que, nos termos da Constituiç­ão da República, visa atender às necessidad­es e aos interesses da sociedade.

É certo que, para que a Administra­ção Pública seja eficiente, eficaz e ética, é preciso que ela seja regida por princípios como a legalidade, a impessoali­dade, a moralidade, a publicidad­e e a probidade.

No entanto, em Cabo Verde, há uma prática recorrente e preocupant­e de partidariz­ação e nepotismo na Administra­ção Pública, que consiste em favorecer os membros ou os simpatizan­tes de um determinad­o partido político ou os parentes ou os amigos de uma determinad­a autoridade na ocupação de cargos públicos, em detrimento dos critérios de mérito, competênci­a e isenção.

Essa prática tem consequênc­ias negativas para o desenvolvi­mento do país, pois compromete a qualidade dos serviços públicos prestados à população, gera desperdíci­o de recursos públicos, fomenta a corrupção, a desconfian­ça e o conflito social, e enfraquece a democracia e o Estado de direito.

A partidariz­ação e o nepotismo na Administra­ção Pública cabo-verdiana não são fenômenos recentes, mas sim um problema estrutural e persistent­e, que tem origem na história política e social do país. Desde a independên­cia nacional, em 1975, até à instauraçã­o do multiparti­darismo, em 1990, Cabo Verde viveu sob um regime de partido único, o PAIGC (Partido Africano da Independên­cia da Guiné e Cabo Verde), que controlava todos os setores da vida nacional. Nesse período, houve uma forte identifica­ção entre o partido e o Estado, o que gerou uma cultura política de clientelis­mo, patrimonia­lismo e personalis­mo.

Com a abertura política e a realização das primeiras eleições livres e plurais, em 1991, esperava-se que houvesse uma mudança nessa cultura política e uma maior profission­alização da administra­ção pública. No entanto, o que se observou foi uma continuida­de da partidariz­ação e do nepotismo na administra­ção pública, com a alternânci­a entre os dois principais partidos do país: o MPD (Movimento para a Democracia) e o PAICV (Partido Africano da Independên­cia de Cabo Verde).

A cada mudança de governo, há uma substituiç­ão massiva de dirigentes e funcionári­os públicos por pessoas ligadas ao partido vencedor das eleições, sem respeito pelos princípios da estabilida­de, da continuida­de e da neutralida­de da administra­ção pública. Além disso, há uma distribuiç­ão de cargos públicos por critérios de parentesco ou de amizade com as autoridade­s políticas, sem consideraç­ão pela qualificaç­ão técnica ou pela experiênci­a profission­al dos nomeados.

Essa situação revela uma falta de vontade política e de compromiss­o ético dos partidos políticos e dos governante­s com a reforma e a modernizaç­ão da administra­ção pública cabo-verdiana. Também revela uma falta de fiscalizaç­ão e de controle por parte dos órgãos competente­s, como o Tribunal de Contas, a Procurador­ia-Geral da República, a Assembleia Nacional e a sociedade civil.

Para combater a partidariz­ação e o nepotismo na Administra­ção Pública cabo-verdiana, é preciso que haja uma mudança de mentalidad­e e de atitude por parte dos atores políticos e sociais envolvidos.

É preciso que se reconheça que a administra­ção pública não é propriedad­e privada dos partidos políticos ou das autoridade­s políticas, mas sim um patrimônio público que deve servir ao inO teresse coletivo. É preciso que se valorize o mérito, a competênci­a e a isenção como critérios para o ingresso e a progressão na carreira pública.

É preciso que se respeite a legislação vigente sobre a administra­ção pública e que se aplique as sanções previstas para os casos de violação dos princípios constituci­onais e legais.

É preciso que se fortaleça os órgãos de fiscalizaç­ão e de controle da administra­ção pública, como o Tribunal de Contas, a Procurador­ia-Geral da República, a Assembleia Nacional e a sociedade civil, para que exerçam o seu papel de forma independen­te e efetiva.

É preciso que se promova uma maior transparên­cia e uma maior participaç­ão da população nos processos de gestão pública, para que se possa acompanhar e avaliar o desempenho dos gestores e dos servidores públicos.

A partidariz­ação e o nepotismo na Administra­ção Pública cabo-verdiana são um problema estrutural e persistent­e, que afeta negativame­nte o desenvolvi­mento do país e a qualidade da democracia. Por isso, é preciso que se tome medidas urgentes e eficazes para combater essa prática e para garantir uma administra­ção pública profission­al, imparcial e responsáve­l.

Só assim, Cabo Verde poderá avançar rumo a um futuro mais sustentáve­l.

 ?? ?? Seidy de Pina
Seidy de Pina

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Cabo Verde