Ucrânia azeda relações entre África do Sul e o Ocidente
O presidente Cyril Ramaphosa, da África do Sul, disse na segunda-feira que o seu governo não vai arredar da sua posição “não-alinhada” em relação à guerra na Ucrânia, após o embaixador dos EUA ter acusado o país de fornecer armas à Rússia. Por não conseguir provar a acusação, Reuben Brigety viu-se obrigado a pedir desculpas públicas, o que é invulgar no continente.
“Arealidade é que o conflito entre a Rússia e a Ucrânia e as tensões que lhe estão subjacentes não serão resolvidos por meios militares. Ele deve ser resolvido pacificamente”, defendeu Cyril Ramaphosa, em comunicado, depois de o embaixador americano, Reuben Brigety, ter acusado a África do Sul de ter enchido o cargueiro russo de armas entre 6 e 8 de Dezembro passado, numa base militar sul-africana (ver xxx).
Durante uma conferência de imprensa, aquele diplomata jurou pela própria vida que tinha a certeza no que estava a dizer, que a África do Sul tinha fornecido armas à Rússia para guerra contra a Ucrânia. Diante disso, as autoridades sul-africanas o desafiaram a apresentar as provas, o que não conseguiu fazer. Brigety viu-se por isso obrigado a pedir desculpas públicas ao governo da África do Sul, o que é muito raro nas relações entre os EUA e o continente africano.
Segundo Ramaphosa, a África do Sul procura com a sua posição neutral “contribuir para a criação de condições que tornem possível uma resolução duradoura do conflito”, considerando que essa é uma posição que em momento algum “favorece a Rússia em detrimento de outros países”.
Segundo Ramaphosa, a África do Sul acredita que “a comunidade internacional deve trabalhar em conjunto para conseguir urgentemente a cessação das hostilidades e evitar mais perdas de vidas e deslocações de civis na Ucrânia”.
Ramaphosa disse ainda que teve reuniões com o presidente norte-americano, Joe Biden, e com o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, para confirmar a posição de não-alinhamento da África do Sul.
Desde o início da guerra na Ucrânia, há um ano, que a África do Sul tem estado “sob uma pressão extraordinária para abandonar a sua posição de não-alinhamento e tomar partido no que é, de facto, uma disputa entre a Rússia e o Ocidente”, recordou o presidente sul-africano. “Continuaremos a resistir aos apelos de qualquer lado para abandonar a nossa política externa independente e não-alinhada”, acrescentou. A par dos EUA, Pretória tem sido pressionada pela Inglaterra e a Alemanha para condenar a Rússia pela invasão da Ucrânia. A Ucrânia chegou a solicitar a condenação da União Africana contra Moscovo, o que não conseguiu.
A posição de neutralidade da África do Sul não está apenas ligada ao papel político e económico estratégico de Moscovo em alguns países africanos, mas também a razões históricas, como o apoio da Rússia aos movimentos anticoloniais e à luta contra o regime do apartheid. A África do Sul, com os seus milhões de habitantes e consumidores, é, por outro lado, um importante mercado para o Ocidente, o que permite a essa potência africana enfrentar as pressões de que vem sendo alvo para condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Juntamente com o Brasil, Índia, China e Rússia, a África do Sul integra o BRIC’s, grupo de países que pretende criar uma economia fora da hegemonia do dólar.
O navio da polémica
A polémica entre as autoridades sul-africanas e o embaixador dos EUA na África do Sul, Reuben Brigety, surgiu depois de este ter afirmado, numa conferência de imprensa em Pretória, que o país africano forneceu armamento à Rússia através do navio russo Lady R, que atracou na base naval de Simon’s Town, na Cidade do Cabo, em Dezembro de 2022.
“Armar os russos é extremamente grave. E não consideramos que este problema esteja resolvido. E gostaríamos que a África do Sul praticasse a sua política de não-alinhamento”, sublinhou o diplomata.
Desafiado pelas autoridades sul-africanas a comprovar a sua denúncia, Reuben Brigety acabou por recuar, apresentando em vez disso o seu pedido público de desculpas.