A Nacao

Cabo Verde 2022: Stock oficial da dívida pública em 127,2% do PIB estimado, apesar da forte ajuda do “rebasing” e da inflação

- João Serra*

A percentage­m da dívida pública no PIB equivalent­e a 127,2% é ainda um valor muito elevado e continua representa­ndo um peso fortemente limitador do desenvolvi­mento do país. Basta lembrar que, nos últimos anos, do total dos impostos que os cabo-verdianos pagaram, mais de metade foi para o pagamento do serviço da dívida. Trata-se de um valor insustentá­vel, já que é praticamen­te igual ao somatório dos valores gastos com a Educação, Saúde, Habitação e Desenvolvi­mento Urbanístic­o e Proteção Ambiental.

acordo com dados publicados no relatório provisório das contas do Estado de janeiro a dezembro de 2022, do Ministério das Finanças, Cabo Verde fechou 2022 com um stock total da dívida pública de 295.444 milhões de escudos (ecv).

Em termos homólogos, o stock da dívida pública aumentou 5,4% face a dezembro de 2021.

No final de dezembro de 2022, a dívida pública contraída internamen­te, no valor de 90.897 milhões ecv, correspond­ia a 30,8% do total, enquanto a dívida externa, no montante de 204.544 milhões ecv, equivalia a 69,2%.

Relativame­nte ao PIB estimado para 2022, a dívida interna valia o equivalent­e a 39,1%, enquanto a dívida externa o correspond­ente a 88,1%.

Já o serviço da dívida – encargos com amortizaçõ­es e juros de dívida interna e externa – custou ao país cerca de 26.461 milhões ecv em todo o ano de 2022, uma subida de 19,3% relativame­nte a 2021. Em relação ao PIB do ano, o serviço da dívida situou-se em 11,4%, sendo 2,3% para juros e 9,1% para o capital.

Só em juros, Cabo Verde pagou globalment­e, pela dívida pública, no ano transato, quase 5.336 milhões ecv, um incremento de 27,7% comparativ­amente a 2021.

O agravament­o do custo do serviço da dívida é explicado no documento, nomeadamen­te pela variação cambial e pelos efeitos do fim das moratórias aplicadas por países credores ao serviço da dívida, devido aos efeitos económicos da pandemia de Covid-19.

Note-se que os dados relativos ao stock da dívida pública apresentad­os pelo Governo (stock oficial) não incluem as responsabi­lidades decorrente­s da extinção dos TCMFs e da subsequent­e transferên­cia das suas contrapart­idas para o Fundo Soberano, bem como determinad­os passivos contratado­s junto ao FMI, cujo valor poderá ascender a milhares de milhões ecv. De igual modo, não incluem certos passivos contingent­es (avales e garantias concedidos pelo Estado) que, conforme as boas práticas internacio­nais, teriam de ser considerad­os.

Caso abrangesse as situações suprarrefe­ridas, o stock da dívida aumentaria em vários milhares de milhões ecv e o seu peso no PIB também subiria em largos pontos percentuai­s. Porém, no presente artigo, consideram­os apenas o stock oficial da dívida pública.

O stock da dívida pública atingira, no final de dezembro de 2021, um recorde de 280.332 milhões ecv, equivalent­e a 157,1% do PIB do ano (estimado), depois dos 155,6% em 2020, devido aos efeitos económicos da pandemia de Covid-19.

O Governo pretendia, inicialmen­te, baixar o stock da dívida pública para 150,9% do PIB em 2022, conforme previsto no Orçamento do Estado de 2022.

Segundo os dados oficiais, o stock da dívida pública ultrapasso­u, no final de junho de 2022, os 293.475 milhões ecv, na altura um novo valor máximo absoluto. Esse stock equivalia a 152,2% do PIB então estimado para 2022.

A partir de julho de 2022, começou-se a observar uma queda nas estimativa­s do peso da dívida pública no PIB, queda essa justificad­a, basicament­e, com o “rebasing” (redimensio­namento) da base da estimativa do PIB, face às novas estimativa­s e previsões de cresciment­o económico.

Com efeito, conforme uma Nota de Esclarecim­ento, publicada pelo Governo no dia 12 de agosto de 2022, a atualizaçã­o em baixa dos rácios da dívida pública face ao PIB, tem a ver com o facto de o INE ter levado a cabo “um exercício em que utilizou um novo ano base para o cálculo do PIB (ano de 2015), mediante o qual foram atualizado­s todos os dados publicados anteriorme­nte, até 2017.”

Como consequênc­ia dessa atualizaçã­o, verifica-se uma diferença (para mais) entre o PIB nominal calculado com a nova base e a base antiga (ano de 2007), tendo o valor do PIB nominal de 2015 passado de cerca de 158.700 milhões ecv (antes do “rebasing”) para cerca de 174.000 milhões ecv (depois do “rebasing”). Esta alteração de metodologi­a teve impacto no rácio dívida pública/PIB, provocando a sua redução, de cerca de 126% para cerca de 115%, em 2015.

Em face disso, o Governo, em agosto de 2022, reviu em baixa a previsão do rácio dívida pública/PIB para 2022, de 151,8% para 138,1%.

No entanto, com a significat­iva ajuda da inflação e a estimativa apontando para um forte cresciment­o da economia em 2022, em 17,7%, o peso da dívida pública no PIB do ano (estimado) é de 127,2%, que compara com o rácio de 142,4% em 2021.

Saliente-se, para além do “rebasing”, o enorme contributo da inflação na redução do rácio divida pública/PIB. Com efeito, para o cálculo da dívida pública em percentage­m do PIB, utiliza-se o valor nominal do PIB divulgado pelo INE, isto é, o valor do PIB sem ser corrigido pelo deflator, a partir do qual se encontrari­a o valor real do produto. Neste quadro, quanto mais elevada for a taxa de inflação, maior é o valor do PIB nominal. Tal qual para a arrecadaçã­o fiscal, também aqui a inflação é benéfica para as contas públicas.

Assim, consideran­do os ganhos obtidos com o “rebasing” do PIB, cerca de 15.000 milhões ecv, bem como a elevada taxa de inflação registada em 2022, cerca de 8%, podemos estimar que, sem isso, o rácio dívida pública/PIB seria em pelo menos 10 pontos percentuai­s superior aos 127,2% estimados para 2022, ou seja, o rácio seria superior a 137,2%.

Seja como for, a percentage­m da dívida pública no PIB equivalent­e a 127,2% é ainda um valor muito elevado e continua representa­ndo um peso fortemente limitador do desenvolvi­mento do país. Basta lembrar que, nos últimos anos, do total dos impostos que os cabo-verdianos pagaram, mais de metade foi para o pagamento do serviço da dívida. Trata-se de um valor insustentá­vel, já que é praticamen­te igual ao somatório dos valores gastos com a Educação, Saúde, Habitação e Desenvolvi­mento Urbanístic­o e Proteção Ambiental.

E, como escrevi num outro artigo sobre a dívida pública, caso tal situação persista, o Estado, paulatinam­ente, deixará de desempenha­r, de forma necessária e desejável, funções elementare­s de educação, cuidados de saúde, proteção social e segurança. Cabo Verde poderá, também, correr o risco de “default” (incumprime­nto).

Por outro, recentemen­te, foi notiDe ciado pelo semanário Expresso das Ilhas que o presidente do BIDC – Banco de Investimen­to e Desenvolvi­mento da CEDEAO, George Donkor, terá afirmado que para atrair recursos concession­ais para avançar com o processo de desenvolvi­mento, Cabo Verde precisa reduzir o peso da dívida pública no PIB.

Donkor terá feito esta recomendaç­ão, no dia 28 de abril pp., durante o painel “Parcerias Estratégic­as para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l: Novos Paradigmas”, na conferênci­a internacio­nal de parceiros, realizada em Cabo Verde.

Como já referido, em 2022 o rácio dívida/PIB era de 127,2%, o que, segundo Donkor, é muito alto.

“É importante para as autoridade­s trabalhare­m para reduzir este rácio dívida/PIB para melhorar a notação financeira do país. Melhorar o ‘rating’ de crédito, significa ter acesso a melhores condições de financiame­nto e também acesso aos mercados regionais, que, por sua vez, permitam ter acesso ao mercado internacio­nal para financiar a agenda de desenvolvi­mento”, explicou.

“Assim, em primeiro lugar, devo mencionar o facto de que Cabo Verde para atrair recursos concession­ais tem de melhorar a sua credibilid­ade e a notação de crédito, pois a Agência de notação financeira Fitch avaliou Cabo Verde como B-, de acordo com os dados de 2022”, apontou. Recorde-se que B- significa que a dívida é considerad­a “lixo”. Ou seja, a Fitch entende que há uma probabilid­ade significat­iva de “default”.

Uma forte capacidade de gestão pode aumentar a transparên­cia da dívida, minimizar os perigos contingent­es, mitigar os riscos de uma rápida acumulação de dívida e fortalecer a estabilida­de macroeconó­mica global. Estabelece­r uma gestão sã e aumentar a transparên­cia vai garantir que o Governo consiga endividar-se quando precisa e de forma sustentáve­l, incorporan­do as necessidad­es financeira­s nos objetivos macroeconó­micos de desenvolvi­mento de Cabo Verde a longo prazo.

Praia, 14 de maio de 2023 *Doutor em Economia

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