Governo e Presidência com posições diferentes sobre o Sahara Ocidental
O presidente da República declarou esta segunda-feira o seu apoio à realização do referendo no Sahara Ocidental para que o povo dessa região, reivindicada por Marrocos, possa decidir sobre o seu futuro. José Maria Neves contraria assim a posição do Governo, que reconheceu dias antes a integridade territorial de Marrocos naquela antiga colónia espanhola.
José Maria Neves, que falava na abertura da mesa redonda realizada na Presidência da República, marcando o início das celebrações do Dia de África, 25 de Maio, apontou o conflito no Sahara Ocidental como uma das questões que ainda restam por resolver com o fim do colonialismo no continente.
JMN lembrou que o Sahara Ocidental, ex-colónia espanhola, proclamou a sua independência em 1979 e que é membro da União Africana, desde 1984, mas que perante as disputas existentes entre o reino do Marrocos e a Frente Polisário, uma missão especial das Nações Unidas decidiu pela realização de um referendo para que se determine a opção do povo saharaui.
Nesse quadro, o PR salientou que respeitando o direito internacional e a carta das Nações Unidas, Cabo Verde, que tinha reconhecido a independência da República Árabe Saharaui Democrática (RASD), “congelou” em 2017 esse reconhecimento, adoptando com isso as orientações da ONU para que se aguardasse a realização do referendo.
“Esperamos que este referendo possa realizar-se para que efectivamente este conflito que ainda existe na África do Magrebe possa efectivamente ser resolvido a bem do povo. É bom dar a palavra ao povo saharaui no quadro do sistema das Nações Unidas, respeitando o direito internacional para que o povo decida sobre o seu futuro, decida o seu destino”, advogou.
Este posicionamento surge dias depois de o Governo, através do primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva, ter reconhecido, durante a sua visita oficial a Rabat, a “integralidade” marroquina no Sahara Ocidental. Reconhecimento esse criticado pela oposição, PAICV e UCID, por considera-lo uma “mudança profunda” da política externa do país.
Desde um acordo de cessar-fogo patrocinado pelas Nações Unidas em 1991, que dois terços do Sahara Ocidental (incluindo a maior parte da costa atlântica) são administrados pelo governo marroquino, com o apoio tácito da França, Espanha, Estados Unidos da América e outros países, nomeadamente, africanos. O restante do território do Sahara é administrado pela RASD, república essa reconhecida por Argélia e vários outros países africanos e não só. A região é rica em minérios e uma costa marítima igualmente rica em pescado, onde operam embarcações da União Europeia, China e de outras proveniências.
À luz da Constituição da República cabe ao Governo a condução da política externa de Cabo Verde, num quadro de alguma concertação com a Presidência
da República. Apesar de o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Figueiredo Soares, afirmar que o reconhecimento da soberania marroquina no Sahara não põe em causa o principio da autodeterminação, por via de um eventual referendo, resta, ainda assim, a ideia de que em relação ao dossiê saharaui Cabo Verde tem duas posições. Uma do Governo e outra da Presidência da República.
África à espera da “plena descolonização”
Ainda a propósito do dia de África, que hoje se comemora, JMN defendeu, também na segunda-feira, que só se consegue a “plena descolonização” do continente quando forem resolvidos os problemas da violência e do racismo, aspectos que, do seu ponto de vista, têm impedido a realização do sonho da União Africana.
“Descolonizar as mentes é algo extraordinariamente difícil”, alertou. “É uma relação de troca. Temos de descolonizar as nossas mentes e descolonizar as mentes daqueles que nos colonizaram porque essa relação de troca é ainda extraordinariamente difícil, esse intercâmbio é extraordinariamente desigual ainda hoje, a nosso desfavor”, disse. “Só conseguiremos a plena descolonização quando resolvermos o problema do racismo e o problema da violência”, sublinhou.
Para assinalar o início das celebrações do Dia da África e os 60 anos da criação da UA, a Presidência da República, em parceria com a embaixada de Angola na
Praia e Plataforma das Comunidades Imigradas, realizou na tarde de segunda-feira, no Palácio do Platô, uma mesa redonda com dois painéis.
O evento contou com a participação do professor catedrático José Octávio Serra Van-Dúnem, de Angola, que falou da “Paz, a estabilidade e o Desenvolvimento Sustentável em África: o papel de Angola na resolução pacífica dos conflitos” e o especialista em Património Mundial Africano, Charles Akibodé, que falou sobre “Identidade e preservação do património cultural e natural africano”.
Luxemburgo
No dia seguinte, terça-feira, JMN rumou ao Luxemburgo, iniciou a sua primeira visita presidencial de três dias, fazendo-se acompanhar pelos ministros Rui Figueiredo Soares (Negócios Estrangeiros), Jorge Santos (Comunidades) e Alexandre Monteiro (Indústria, Comércio e Energia, entre outros integrantes.
JMN reiterou que o Luxemburgo é um dos principais parceiros de desenvolvimento de Cabo Verde e que o resultado desta parceria “é perceptível em todos os cantos” do arquipélago.
Por sua vez, o grão-duque Henri frisou que as relações bilaterais entre os dois países são marcadas por mais de 30 anos de solidariedade, que se traduziu numa “profunda amizade” entre chefes de Estado, governos e sobretudo entre os cidadãos, havendo uma apreciável comunidade cabo-verdiana nesse grão-ducado.
“A comunidade cabo-verdiana é altamente valorizada. Faz parte do nosso dia a dia. Ele molda nosso ambiente nas cidades e vilas, participando activamente de nossa vida democrática”, sustentou, anunciando que a partir deste outono o Luxemburgo passa a fazer-se representar na cidade da Praia por um embaixador.