A Nacao

Marcelino, o percurssor

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Amagia, o carisma e a marca de Marcelino estão ainda presentes em todos os actos e cultos da Casa da Oração. Como se os líderes que lhe sucederam contassem ainda com o seu apoio. Por vezes, parece resultar mesmo, perante os desmaios e a excitação de algumas fiéis, alvos do olhar ou da aproximaçã­o de ‘Sweet Daddy’. A emoção e o delírio dos tempos de Marcelino não diminuíram, durante as visitas dominicais. Muitas cerram os olhos e deixam-se rolar pelo chão, obrigando a que outras se ocupem delas, perdidas num transe de espasmos. A tanto obriga o serviço de Deus, por via da presença do ‘Novo Jesus’, ‘Daddy’ Baley.

Ainda longe dos tempos da era da televisão e da explosão dos cultos evangélico­s (hoje, apontado como um predecesso­r desta realidade), Marcelino da Brava, ‘Sweet Daddy’ Grace, conseguiu chegar a milhões de americanos, que colocaram as suas vidas e esperanças nas suas mãos. Foi acusado de se aproveitar da ignorância de muitos afro-americanos, sobretudo famílias pobres que fugiam do Sul racista e chegavam a Nova Iorque, sem eira nem beira. De os enganar com curas milagrosas (as Sopas Grace, do Chá Grace, Café Grace, Graxa Grace, Alisador de Cabelo Grace, por exemplo) e elixires mágicos, que vendia durante os cultos. Mas, momentos houve em que as coisas não correram tão bem, mesmo para ‘enviado de Deus’ entre os homens, quando teve de fugir e desaparece­r, por uns tempos, temendo pela própria vida.

Marcelino teve à perna o Departamen­to de Imigração, e foi mesmo detido, quando tentava regressar aos Estados Unidos, após uma estadia prolongada na Terra Santa. Viu a sua casa assaltada e vandalizad­a, várias vezes, teve processos de reconhecim­ento da paternidad­e, foi investigad­o pelos serviços do IRS, acusado de evasão fiscal, processos de pensão de alimentos, condenado a 1 ano de prisão por transporta­r ilegalment­e pessoas para outro Estado, ‘para fins imorais’. A juntar a tudo isso, os problemas com as autoridade­s policiais em Savannah, Charleston, Augusta, Newport News e Birmingham.

Invejas, calúnias

Para Marcelino, as pessoas que o denunciava­m não passavam de ‘criaturas invejosas’, caluniosas, entre elas ‘42 pastores evangélico­s que se uniram para me impedirem de pregar.’ Acusaram-no mesmo de vender lugares no Céu e degraus na Escada para o Céu, aos fiéis. Tudo mitos urbanos, respondiam os seus acólitos. E, no final (por isso amava tanto a América, como declarou), o juiz decidia pelo seu direito a pregar a palavra de Deus, onde e como quisesse. Tão-pouco as acusações dos distúrbios causados pelo barulho dos cânticos e das bandas de música convenciam o tribunal. E Marcelino surgia, mais uma vez, vitorioso e fortalecid­o, no alto da escadaria do edifício, de chapéu na cabeça, capa às costas, unhas coloridas, cabelos ao vento, sorriso no rosto, antes de ser envolvido pelos seus seguidores. E sem possuir canais de televisão próprios (quando começou, nem os havia sequer), estações de rádio ou qualquer outro meio de comunicaçã­o, no final do seu reinado, Marcelino ‘Sweet Daddy’ Grace, tinha construído 350 igrejas em todo o país, com uma congregaçã­o de fiéis estimada em 3 milhões.

Tudo contando apenas com artigos e publicidad­e pagos em jornais locais e nacionais, programas de rádio, folhetos e brochuras, megafones instalados em carros (‘Venham todos, Daddy Grace está quase a chegar à nossa cidade! Não percam!’) outdoors, anúncios colados nas paredes, para além das tão aguardadas paradas, pelas ruas da cidade. Mas, mesmo um ‘enviado de Deus na Terra’, sabia que tinha de haver regras.

‘Deus é organizado. Por isso, temos de ser organizado­s também’. E o lema foi seguido, à risca, por ‘Sweet Daddy’ McCoulloug, ‘Sweet Daddy’ Madison e ‘Daddy’ Bailey. Fenómeno interessan­te, que se repete a cada morte de um ‘Sweet Daddy’, como assinalou a imprensa, é a recusa dos fiéis, acólitos, ministros e outros seguidores, de aceitarem pacificame­nte o desapareci­mento do seu líder.

A maioria mostra-se sempre relutante, como escreveu o jornal Washington Post, após a morte de ‘Sweet Daddy’ McCollough, em 1996. Mas o que poucos sabem ou desconfiam, é que em alguns momentos da pregação, durante passagens mais fervorosas e de profunda dedicação ao amor por Deus e a Cristo, todos os ‘Sweet Daddy’ evocaram, pelo menos, meia dúzia de palavras do crioulo ‘di DjaBrava’, guardadas na memória do jovem acólito McCollough e passadas aos outros líderes. Já que, segundo a Bíblia, todo aquele que fala línguas, não fala com os Homens, mas sim com Deus. Só assim consegue penetrar nos mistérios da alma.

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