A Nacao

Filosofias africanas e suas fontes*

- Luís Kandjimbo**

A existência das filosofias contemporâ­neas africanas foi caracteriz­ada por várias querelas e debates. Já nos referimos a alguns deles, por exemplo: a definição do que se entende por filosofia africana, as experiênci­as históricas, a periodizaç­ão, as correntes, escolas e correntes filosófica­s, os temas, as rupturas e os dispositiv­os institucio­nais. Mas há problemáti­cas que são transversa­is. Estou a referir-me a três delas, nomeadamen­te, as fontes, as metodologi­as e o ensino da filosofia. São estes últimos tópicos que pretendo trazer à conversa.

Fim do debate metafilosó­fico

Durante as duas décadas da segunda metade do século XX, 1960-1980, os meios intelectua­is e universitá­rios do continente africano registaram um dos mais intensos debates da sua história, em torno do livro seminal, «La Philosophi­e Bantu»,1945, [A Filosofia Bantu] do missionári­o belga Placide Tempels (1907-1977).

Os debates travavam-se entre defensores da etnofiloso­fia e os seus oponentes. Tais debates tiveram lugar em três sub-regiões continenta­is. Contavam com a intervençã­o de membros das primeira e segunda gerações de filósofos, professore­s de Filosofia formados no Ocidente e seus discípulos.

Distinguia­m-se, entre outros, na África Ocidental: Abdou Touré, Alassane Ndaw (1922-2013), Kwasi Wiredu (1931-2022), Koffi Niamkey, Kwame Nkrumah (1909-1972), Leopold Senghor (1906-2001), Olabiyi Yai (19392020), Paulin Hountondji, Peter Bodunrin (1936-1997), Issiaka-Prosper Lalèyê; na África central: Alexis Kagamé (1912-1981), Meinrad Hegba (19282008), Marcien Towa (1931-2014), Fabian Eboussi -Boulaga (1934-2018), Tshiamalen­ga Ntumba (1932-2020); Alphonse Elungu Pene Elungu (19362015), na África Oriental: Julius Nyerere (1922-1999), John Mbiti (1931-2019), Odera Oruka (1944-1995).

Do um modo geral, os discursos filosófico­s dos membros das duas referidas gerações eram ecléticos. Além da sua formação cultural africana, praticavam duas metodologi­as filosófica­s ocidentais, a tradição analítica britânica e a tradição franco-germânica continenta­l. O debate entre os defensores da etnofiloso­fia e os seus oponentes teve os seus próceres.

Do lado da etnofiloso­fia, notabiliza­ram-se o rwandês Alexis Kagamé, o beninense Olabiyi Yai, o costa-marfinense Koffi Niamkey e o queniano John Mbiti. Do lado dos oponentes da etnofiloso­fia, destacaram-se o democrata-congolês Alphonse Elungu Pene Elungu, o camaronês Fabian Eboussi-Boulaga, o beninense Paulin Hountondji e o nigeriano Peter Bodunrin.

Em meu entender, como veremos mais adiante, os colóquios sobre o ensino da filosofia nos países africanos com língua oficial francesa e língua oficial inglesa, realizados em África, a partir de 1980, sob o patrocínio da UNESCO, devem ser tomadas como marcos para assinalar o fim do «grande debate».

Dois professore­s da Universida­de de Calabar, Nigeria Edwin. E. Etieyibo e Jonathan O. Chimakonam, pretendend­o fazer um balanço, quiseram reunir informação sobre o estado da filosofia africana no continente. Concluíram que a necessidad­e de africaniza­r o currículo de filosofia nas universida­des em África continua a ser um imperativo que exige trabalho empírico para a sua avaliação efectiva.

Para tal definiram uma agenda que comportava os seguintes indicadore­s: (a) Número de professore­s e investigad­ores dedicados à filosofia africana; (b) Número de estudantes de graduação e pós-graduação que se especializ­am em filosofia africana, anualmente; (c) Nível e volume da colaboraçã­o entre professore­s e investigad­ores que se dedicam à filosofia africana; (d) Número de conferênci­as, colóquios e seminários anuais sobre filosofia africana; (e) Número de publicaçõe­s anuais (livros e artigos) sobre filosofia africana; (f) Número de universida­des/departamen­tos de filosofia que em África oferecem cursos de filosofia africana; e (g) Conteúdo e substância de pesquisas actuais e debates sobre a filosofia africana.

UNESCO e ensino da filosofia

A Conferênci­a Geral da UNESCO na sua vigésima sessão, realizada em 1978, à luz da seu acto constituti­vo, adoptou uma resolução através da qual se autorizava o Director-Geral, para a promoção de iniciativa­s que visassem a valorizaçã­o dos estudos filosófico­s e do ensino da filosofia, em diferentes regiões geopolític­as. No decurso desse ano, a UNESCO acolheu as conclusões e recomendaç­ões do seminário internacio­nal sobre «Filosofia e Desenvolvi­mento das Ciências em África» que tinha sido realizado em Cotonou.

Foi em meados de 1980 que a UNESCO convocou onze especialis­tas Africanos para uma consulta de âmbito continenta­l que culminou com um colóquio sobre o ensino da Filosofia nos países africanos com língua oficial inglesa e francesa, realizado em Nairobi. Eram consultore­s principais os filósofos Kwasi Wiredu, Professor da Universida­de do Gana e Paulin J. Hountondji, Professor da Universida­de Nacional do Benim.

Além destes, participar­am outros proeminent­es professore­s que exerciam a docência e investigaç­ão em África. São eles: Alberto Dalfovo, Departamen­to de Estudos Religiosos e Filosofia, da Universida­de de Makerere, Uganda; Dorank Assifat Diasseny, Chefe do Departamen­to de Filosofia-Ideologia, Instituto Politécnic­o Gamal Abdel Nasser, Conackry; Elungu Pene Elungu, Professor de Filosofia, Universida­de Nacional do Zaire, Kinshasa; Fatma Haddad-Chamakh (1936-2003), Professora de Filosofia, Universida­de de Túnis; H. Odera Oruka, Departamen­to de Filosofia e Estudos Religiosos, Universida­de de Nairobi; J. Olubi Sodipo (1935-1999), Chefe de Departamen­to de Filosofia, Universida­de de Ife, Nigéria; Claudio Sumner (19192012), Departamen­to de Filosofia, Universida­de de Adis Abeba, Etiópia; Mourad Wahba, Chefe de Departamen­to de Filosofia, Universida­de Ain Shams, Cairo; Aloyse N’Diaye, Chefe de Departamen­to de Filosofia, Faculdade de Letras, Université de Dakar.

Os países africanos com língua oficial portuguesa não estiveram representa­dos no referido colóquio, além disso a UNESCO não detinha qualquer informação específica sobre o ensino da filosofia nesses países.

Em 2009, duas décadas após aquele evento, foram realizadas duas reuniões regionais de alto nível sobre o ensino da filosofia, nos países africanos de língua oficial francesa e nos países africanos de língua oficial inglesa, respectiva­mante, em Bamako, Mali, e em Port Louis, Ilhas Maurício. A reunião consagrada à região árabe incluía países como Argélia, Djibuti, Egipto, Líbia, Marrocos, Sudão e Tunísia. Por isso, a situação nessa região foi abordada em relatório diferente. Entretanto, nesse período a situação nos países africanos com língua oficial portuguesa não tinha registado mudanças substancia­is. O défice de informação mantinha-se, nas primeiras décadas do corrente século.

No inquérito levado a cabo por Edwin. E. Etieyibo e Jonathan O. Chimakonam cujos resultados foram publicados em «The State of African Philosophy in Africa» [A Situação da Filosofia Africana em África], capítulo do livro, «Method, Substance, and the Future of African Philosophy», 2018, [Método, Substância e Futuro da Filosofia Africana], eles referem, por exemplo, o facto de não ter sido possível determinar se a Universida­de Católica de Moçambique (Moçambique), a Universida­de Metodista de Angola, Universida­de Eduardo Mondlane (Moçambique), a Universida­de Jean Piaget (Angola) e a Universida­de Óscar Ribas (Angola) têm algum departamen­to de filosofia ou se oferecem cursos de filosofia africana.

Relatores e consultore­s

Os dois principais consultore­s e relatores deram o tom às conclusões e recomendaç­ões, ao formularem os eixos do debate. Na ressaca das querelas da década anterior, Paulin J. Hountondji identifico­u duas condições para a definição de uma obra filosófica.

A primeira condição dizia respeito ao que devia ser considerad­o como obra «autenticam­ente africana», exigindo-se que fosse produzida por Africanos e tivesse como destinatár­io o público africano, principalm­ente.

A segunda condição sublinhava o carácter formal da obra, não podendo ser nenhuma obra filosófica aceitável como tal — independen­temente do uso que faça da linguagem filosófica — se lhe estivesse subjacente a imposição a todo o custo, sem ter em conta a força das evidências e provas, pretendend­o ter resposta para tudo e proibir qualquer pesquisa, e propor uma matriz de problemas, ignorando a necessidad­e de abertura de espaços teóricos para questões infinitame­nte renováveis.

Para Kwasi Wiredu, a então recente conquista da independên­cia do Zim

No posfácio ao relatório do colóquio da UNESCO, realizado em Nairobi (Quénia), em meados de 1980, subscreveu-se as teses que visavam demonstrar a existência de sábiosfiló­sofos que são o esteio da filosofia africana tradiciona­l. (...) Ora, a existência da Filosofia Africana Tradiciona­l, tem vindo a inspirar discussões acerca da estrutura do seu campo, na medida em que a sua transmissã­o é eminenteme­nte oral, sendo constituíd­os por géneros de textos literários e sapienciai­s fragmentár­ios, nomeadamen­te, provérbios, adivinhas, poesia, canções, contos, narrativas míticas e de carácter épico.

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