Uma resenha das causas da riqueza e da pobreza das nações, segundo David S. Landes
Em 1776, foi publicado, na Escócia, o livro do filósofo e economista escocês Adam Smith, intitulado “Uma investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”, mais conhecido como “A Riqueza das Nações”. Com essa obra, o contributo de Adam Smith para o desenvolvimento da teoria económica é encarado, pelos seus seguidores, como fundamental, pelo que consideram
Adam Smith o ‘pai’ da Economia e o mais importante teórico do liberalismo económico.
Na verdade, trata-se de uma obra tida, por muitos, como referencial, contendo inúmeras reflexões que estão na base da evolução do pensamento económico até à atualidade, nomeadamente no concernente à explicação da razão da riqueza e da pobreza das nações.
Desde a publicação do livro a “Riqueza das Nações”, descobrir quais fatores determinam o crescimento económico e o desenvolvimento social, e quais impedem muitas nações de atingir padrões de riqueza e bem-estar social já obtido por algumas outras passou a ser uma das questões mais importantes nas ciências sociais, particularmente na economia.
Saliente-se que entre os mais de 200 países e regiões existentes atualmente, apenas 40 são considerados desenvolvidos ou ricos e os restantes, mais de 160, em vias de desenvolvimento ou pobres e muito pobres, segundo o FMI.
Um dos investigadores e autores que se dedicaram ao estudo das causas da riqueza e da pobreza das nações é David S. Landes, antigo professor emérito da Universidade de Harvard.
Nascido em 1924 nos EUA e falecido em 2013, David S. Landes é um dos historiadores económicos mais credenciados da atualidade, tendo escrito várias obras, entre as quais, “A Riqueza e a Pobreza das Nações – Porque são algumas tão ricas e outras tão pobres”, publicada em 1998 e considerada uma das mais interessantes obras de história das últimas décadas.
Nesse livro amplamente aclamado pela crítica e pelo público, David Landes reflete sobre a razão que leva a que determinadas nações criem riqueza e atinjam o sucesso económico e social, e outras nações se mantenham na pobreza, oferecendo explicações pessoais e polémicas para uma das principais questões da atualidade.
Landes pretende analisar essa questão numa perspetiva da história como um processo, tentando compreender como as culturas do mundo conseguiram (ou não) atingir o progresso e riqueza materiais em desfavor de outras que o não conseguiram – por vários motivos.
Esses motivos, variando de caso para caso, mas mantendo uma raiz comum e formando uma complexa interação de fatores culturais e circunstâncias históricas, são amplamente documentados e debatidos pelo autor no livro.
No período recente dos últimos 600 anos, os países que mais se desenvolveram foram, predominantemente, europeus. Segundo Landes, os países ocidentais prosperaram devido à interação de uma sociedade livre e aberta, com uma finalidade de trabalho e saber, o que conduziu a um aumento da produtividade geral.
No entanto, no final do século passado, a balança começou a pender para a Ásia. Porquê? Para Landes, os tigres asiáticos surgiram depois dos anos 60, como corolário lógico da receita segundo a qual o mercado, a disciplina e a ética do trabalho compensam, provando que o subdesenvolvimento não é uma condenação “ad eternum”.
Partindo desse enquadramento, Landes, ao fazer a sua análise sociológica, defende que o mundo está dividido em três espécies de nações: aquelas em que as pessoas gastam rios de dinheiro para não aumentar de peso, aquelas em que os indivíduos comem para poderem viver e, finalmente, aquelas em que as pessoas não sabem de onde e quando virá a próxima refeição. Segue-se a pergunta, porquê?
Landes procura responder à pergunta a partir da visão da história como um processo, tentando compreender como as culturas do mundo atingiram – ou retardaram – o sucesso económico e militar.
É a cultura, os valores e as instituições que conseguiriam mostrar e explicar o porquê de alguns países serem tão ricos, ao passo que outros têm vindo a distanciar-se, cada vez mais, do grupo das nações prósperas.
Com efeito, para o autor, a força motriz da transformação que conduziu ao mundo atual foi a Europa, sobretudo depois de “uma longa maturação multicentenária (1000-1500)” que “assentava numa revolução económica e numa transformação de todo o processo de produzir, adquirir e gastar como não se via desde a chamada revolução neolítica”.
Tal processo termina com “o mundo de Adam Smith a ganhar definitivamente forma”, instalando-se, a partir daí, a desigualdade no planeta. “Há 250 anos a diferença entre o mais rico e o mais pobre seria de 1 para 5”, mas em 1998 a “diferença entre Suíça e Moçambique é de 400 para 1”.
Landes defende que a Europa se impôs ao mundo através de um modelo social que privilegiava o trabalho, a abertura intelectual e a paixão pela descoberta. Segundo relata no livro, durante o período de maturação medieval, os europeus inventaram os óculos, manufaturaram o papel, descobriram o relógio e aplicaram a pólvora em canhões destruidores. Como consequência, surgiu a noção da produtividade. Ocorreu, assim, o que ele designa de “a invenção da invenção”.
Então, pergunta-se por que é que tudo aconteceu na Europa e não na China, que tinha descoberto a pólvora e o papel, por exemplo? Referindo-se ao sinólogo Etienne Balazs, Landes diz que a China não deu o passo decisivo “devido ao sufocante controlo estatal”, por um lado. Por outro lado, porque aos chineses “faltava visão ampla, capacidade de enfoque e, sobretudo, curiosidade” e “não eram motivados pela cobiça e pela paixão”.
Landes apresenta Portugal dos descobrimentos como sendo um caso contrário ao da China antiga. Aliás, os portugueses merecem na obra desse autor um amplo destaque: “A façanha portuguesa é testemunha do seu espírito empreendedor e força, da sua fé religiosa e entusiasmo; da sua capacidade para mobilizar e explorar os conhecimentos e as técnicas mais recentes. Nenhum chauvinismo tolo; o pragmatismo em primeiro lugar.” Na verdade, foi isso que esteve na origem de Portugal ter desbravado novas partes do mundo, em parte pela riqueza que possuía, para além da capacidade técnica e científica. E foi uma atitude contrária que remeteu o país para o isolamento e a pobreza.
“Em 1506 Lisboa viu o seu primeiro pogrom, que deixou um saldo de 2.000 ‘cristãos-novos’ mortos. Desde então, a vida intelectual e científica de Portugal desceu a um abismo de intolerância, fanatismo e pureza de sangue”, escreve Landes.
E como se explica o desenvolvimento relativamente precoce do Japão, um país que mal encontrou os europeus? Para Landes, o Japão, “tratou de aprender os seus métodos”. Todavia, foi o substrato cultural dos japoneses que fez a diferença.
“O Japão não teve o calvinismo, mas os seus homens de negócios adotaram uma ética de trabalho semelhante. O segredo está mais no compromisso com o trabalho do que com a riqueza.” Pelo que, “mesmo sem uma revolução industrial europeia, os japoneses teriam, mais tarde ou mais cedo, feito a sua”.
Termino, dizendo que Landes simplifica o objeto da sua análise a praticamente uma única tese, tese essa que o autor defende sem preconceitos, explicando-a com fundamento e sintetizando as suas principais linhas de força com opiniões firmes e exemplos vários. Porém, trata-se de uma abordagem polémica, e como tal, sujeita a críticas.
Basicamente, são feitas as seguintes críticas à obra de David S. Landes: por um lado, a relação causal, mecânica, entre o sucesso de algumas nações e o substrato cultural que o determina é considerada uma visão simplista e reducionista da realidade, pelo que insuficiente para explicar as causas da pobreza e da riqueza; e, por outro lado, a apologia do sucesso meritocrático liberal e da suposta superioridade moral do cristianismo –particularmente na sua versão mais rígida, o calvinismo protestante – para o desenvolvimento dos países, é considerada ideologicamente otimista e eurocêntrica.
Praia, 28 de maio de 2023 *Doutor em Economia
“Nascido em 1924 nos EUA e falecido em 2013, David S. Landes é um dos historiadores económicos mais credenciados da atualidade, tendo escrito várias obras, entre as quais, “A Riqueza e a Pobreza das Nações – Porque são algumas tão ricas e outras tão pobres”, publicada em 1998 e considerada uma das mais interessantes obras de história das últimas décadas.