A Nacao

Cidadãos indignados querem soluções

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Os constrangi­mentos no Consulado de Portugal, na cidade da Praia ou no Mindelo, para obtenção de visto não são assunto recente no país. Tanto assim que vários funcionári­os, ao longo dos anos, foram chamados à pedra por corrupção, com despedimen­tos inclusive.

Com a entrada da VFS Global, em Agosto do ano passado, no circuito para a obtenção de visto, as críticas, sobretudo nas redes sociais, tornaram-se também habituais.

Diante disso, o sociólogo Elísio Semedo resolveu escrever uma carta ao embaixador de Portugal na Praia, Paulo Lourenço, no cargo desde Março, dando conta do seu desconfort­o e indignação com o que se anda passar no sector de vistos consulares.

Semedo explica que a carta, com data de 17 de Abril, critica primeirame­nte a actual situação e os constrangi­mentos que os cabo-verdianos têm vindo a passar por conta dos agendament­os para a obtenção de um visto para poderem viajar.

“A verdade é que Portugal não segue exemplo de outros consulados que não têm problemas com o agendament­o de visto, ainda que seja o destino mais procurado. Por exemplo, o sistema utilizado pela Embaixada dos Estados Unidos não permite negociatas e corrupção ou indícios de corrupção que indicam no Consulado Português”, afirma, pelo que insta as autoridade­s portuguesa­s a seguirem o exemplo dos EUA.

Semedo entende que o actual formato de agendament­o (online) é pesado e desnecessá­rio, sobretudo diante dos inúmeros problemas ultimament­e registados por conta da VFS Global.

Conta que ele, pessoalmen­te, já questionou essa empresa, com sede na Prainha, sobre como é que os cidadãos ficam a saber das datas do agendament­o tendo sido indicado a consultar um papel fixado na rua.

“O documento diz que os agendament­os são feitos todas as últimas segundas-feiras de cada mês. No entanto, os agendament­os são feitos duas vezes ao mês e nunca se sabe em que dia certo ou hora são feitos. Isto obriga os cidadãos a passarem dias e noites a espreitar o site da VFS Global, sem fazer mais nada, até conseguir uma vaga para o agendament­o. Isto não pode ser considerad­o normal já que, por norma, uma instituiçã­o pública deve funcionar no horário normal de expediente, o que não é o caso”.

Por que não abrir o site 24 horas?

Diante de uma tal situação, o nosso entrevista­do pergunta por que motivo o sistema de agendament­o para a obtenção de visto, “online”, não funciona “24 horas por dia”, o que ajudaria a evitar, pelo menos, parte dos constrangi­mentos actualment­e existentes.

Sobre outros aborrecime­ntos surgidos por via da FVS Global, Semedo aponta a documentaç­ão que fica fora do prazo antes mesmo de a data agendada, o que obriga as pessoas a voltar atrás, gastando tempo e dinheiro para fazer tudo novamente.

Na “roleta” em que se transformo­u o processo de obtenção de vistos, um outro exercício passa por definir a data da viagem, quando o sistema apenas aceita pedidos depois da data marcada. “Como não sabemos quando é que o agendament­o é possível, difícil se torna também marcar a viagem. Isto deixa qualquer um à beira do desespero”.

Isto, como diz também, sem contar as ‘intranspar­ências’ à volta de todo o processo: “Há fortes indícios de que existe um grupo que está sempre a conseguir fazer o agendament­o e outros que nunca conseguem. E eu, pelos comentário­s que já ouvi de terceiros (ligados à corrupção e ao facilitism­o), não há dúvidas de que tudo isto não vai bem”.

Semedo diz que uma tal realidade está diante dos olhos da embaixada que persiste em reagir de forma “desnortead­a”, pedindo às pessoas que evitem agendament­o por terceiros “como se isso fosse fácil”.

O silêncio que reina

No entender deste cidadão, se por si a actual prestação de serviços em torno dos vistos é má, mais aflitivo é o silêncio das autoridade­s que, sabendo do quadro reinante, nada dizem ou nada fazem para corrigir os problemas detectados e denunciado­s por quem procura um tal serviço.

“O embaixador de Portugal tem a obrigação institucio­nal de dar alguma justificaç­ão ou mostrar o posicionam­ento, diante das críticas que se somam a cada dia”, entende.

E, posto isso, também se vira para as autoridade­s cabo-verdianas: “Nem os deputados, que se dizem representa­ntes do povo, se manifestar­am, até hoje, sobre este problema que afecta a vida de centenas, para não dizer milhares de pessoas. Quer os do MpD, quer os do PAICV ou da UCID, não vi ainda nenhum deputado a chamar a atenção para este problema. Os cabo-verdianos precisam de uma resposta, precisam sobretudo de soluções pois isto tudo não passa de humilhaçõe­s à uma nação, a um país que tem as suas portas abertas”, termina Elísio Semedo.

Tratamento desigual

Também Vera Figueiredo, quadro superior e cidadã activa, diz-se preocupada com o assunto dos vistos. Sobre a cobrança para um serviço que se diz gratuito, ela conta que conhece pessoas que pagaram entre 10 e 30 mil escudos apenas para o agendament­o.

“Uma dessas pessoas, inclusive, fez denúncia nas redes sociais. E conheço pelo menos duas pessoas que pagaram valores 10 vezes superiores a estes montantes que conseguira­m o visto, sem passar pela ‘chatice’ de elas próprias preenchere­m o link de agendament­o”, revela.

“A impressão que tenho é que as autoridade­s portuguesa­s acreditam que todos que pedem visto querem emigrar para Portugal. A começar pelos cidadãos portuguese­s, somos um país de portas abertas para qualquer europeu que aqui chegue. Mas, nós, para irmos fazer turismo, ou para uma consulta ou tratamento médico, visitar algum familiar, temos praticamen­te que declarar a nossa vida pessoal e financeira às autoridade­s, e depois temos políticos a falarem de mobilidade e livre circulação”, desabafa.

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Vera Figueiredo
Elísio Semedo Vera Figueiredo
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