‘Não é doce’ morrer no mar
Ao contrário da canção de Dorival Caymmi, são já várias as famílias cabo-verdianas enlutadas. São muitos os relatos de jovens mergulhadores desaparecidos no mar. Uns são encontrados, já sem vida. Outros nem dão à costa. Tudo parece fazer parte da normalidade da vida no mar. Mas o que poucos sabem é o que está na origem dos riscos, cada vez maiores, que estes correm.
Ainda recentemente, foram dois jovens naturais de Santo Antão, que morreram no mar, na ilha do Sal, enquanto pescavam. «Isso é apenas o que se sabe, pelas notícias. Mas todos os anos, são dezenas de casos, em vários pontos do país, da Calheta, no Maio, a São Pedro, em São Vicente, de jovens que ficam paraplégicos, em acidentes de descompressão, a que estão sujeitos; jovens sem formação, sem experiência», afirma Alain. A profissão de mergulhador, ainda há relativamente pouco tempo, era livre, o que levava a que muitos se dedicassem a ela, sem qualquer formação.
E há uma razão que empurra os mergulhadores a descerem cada vez mais fundo, diz o francês: «Ir mais fundo é mais rentável, é lá que se encontram os peixes maiores e que ajudam a pagar as despesas iniciais.» E estas, adianta, são feitas na preparação da pesca, que antes do mergulho, o pescador já contraiu: no gasóleo para o barco que o vai levar ao largo, no marinheiro que o acompanha, no oxigénio para as garrafas que vai utilizar. Tudo isto fica por volta dos 6, 7 mil escudos, que têm de ser rentabilizados. «O mar representa um ganho acima da média para trabalhos não especializados, em terra, umas duas ou três vezes mais.»
Actualmente, exige-se a cédula marítima para esta actividade, passada pelo Instituto Marítimo Portuário. O candidato tem de estar apto de saúde, sem problemas, para ser qualificado como mergulhador. «Em certas ilhas, o controlo feito pelo delegado marítimo funciona melhor do que noutras, na fiscalização da pesca com garrafa. Mas nas zonas urbanas, é mais difícil.»
Outras vezes, diz Alain, é o próprio material que não é suficiente ou não está em bom estado. O mar Atlântico de Cabo Verde tem as suas particularidades, adianta. «Em certas zonas, a uns 20 metros da costa já temos profundidades de 60 metros e é lá que está o peixe mais procurado, aquele que compensa esta actividade.»
Alain orgulha-se de nas suas equipas nunca se ter registado qualquer acidente fatal. Todas as situações de perigo, que foram muitas, ao longo dos anos, conseguiu recuperar os seus companheiros. Mas todos os dias há quem estique a corda da sorte, quem quer ir mais fundo e desafiar as regras mínimas de segurança. E há aqueles que acabam por pagar a factura do risco, como conta:
«Havia um mergulhador do Maio, da Calheta, que não respeitava as regras de segurança e eu como fiscal de mergulho das obras de alargamento do cais do Maio, tinha informações da sua conduta. Fui falar com ele, aconselhei-o a ter cuidado, sei como mergulhas e estás a fazer mal, etc., ele disse-me para não me preocupar, para ficar calmo que tinha tudo sob controlo, que era experiente, e outras coisas. E no dia seguinte disseram-me que ele tinha tido um acidente, ali naquele mesmo local, e ficou paraplégico das duas pernas. Na situação de emergência, tinha entrado em pânico, meteu-se num barco para ir ao hospital da Praia, mas lá não há médicos especialistas nestes acidentes e ficou paralisado das pernas. E agora é uma tragédia para ele e para a família, desamparada, que fica sem rendimentos.»