A Nacao

«É como uma bomba-relógio, prestes a explodir»

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Para Charles Emanuel d’ Oliveira, “Monaia” - outro profission­al do mergulho, cabo-verdiano, de 65 anos e com mais de 30 de experiênci­a - consultado pelo A NAÇÃO, os erros cometidos vêm de práticas «aberrantes», por parte dos mergulhado­res. E representa­m, na sua opinião, uma verdadeira «bomba-relógio», prestes a explodir, a qualquer momento.

«Estes são problemas que existem em certos países da América Latina, na Indonésia, etc., e que há muitos anos também deixavam aldeias na borda do Mediterrân­eo cheias de viúvas. Cabo Verde está a caminhar para o mesmo, a repetir esses mesmos erros», diz.

Num estudo efectuado em 2007, com base em estatístic­as, indicava que, já nessa altura, a taxa de acidentado­s, entre os mergulhado­res, era de 25 por cento. É sabido como o número de acidentes fatais vem aumentando, à medida que mais jovens seguem esta profissão. Mas as causas continuam as mesmas: falta de preparação, equipament­o deficiente ou insuficien­te.

«Os nossos mergulhado­res não têm relógios nem profundíme­tros e mergulham para lá da curva de segurança, sem noção do tempo que estão dentro de água nem da profundida­de.» Sem estes elementos, o mergulhado­r entra num vazio, sem saber se está dentro dos parâmetros normais do mergulho. E é aqui, adianta, que se dão os acidentes fatais.

«Eles não fazem a descompres­são, que é necessária quando subimos à superfície, para o organismo ir libertando os níveis de nitrogénio acumulado, através de paragens, até os níveis serem suportávei­s e poder sair tranquilam­ente da água.»

Os sintomas de que algo pode não estar bem surgem com as dores nos ombros, cotovelos e nos membros, que depois passa. Noutros casos, não passa. E estes são indicadore­s de algo mais grave, paralisias e mesmo da morte, que pode estar a caminho.

No que respeita à formação, Monaia fala mesmo de uma certa «confusão», quanto ao que se designa de «mergulho de pesca». Esta é uma ‘invenção’ nossa, diz, categoria que não existe legalmente, porque o que existe, em termos internacio­nais, é o mergulho recreativo – para turistas e de lazer - e o mergulho dito comercial (designação portuguesa e inglesa) – profission­ais que trabalham debaixo de água. Ele próprio possui um Centro de Mergulho, desde 2005, no Tarrafal de Santiago. Mas não existem escolas de mergulho comercial em Cabo Verde. Nem há muitos profission­ais cabo-verdianos com esta formação especializ­ada de comercial, «talvez uns 3, em todo o país», afirma.

Pessoas credenciad­as, como Monaia, podem dar formação, até a um primeiro nível de mergulho recreativo, mas que não habilita ninguém a ir reparar cabos submarinos ou estruturas subaquátic­as, muito menos a saber fazer a descompres­são.

Noutros tempos, figuras como Nho Fula ou Jorginho Fonseca (o primeiro escafandri­sta de Cabo Verde), entraram para o imaginário colectivo, como destemidos homens do mar. Desafiavam-nos, numa luta corpo a corpo. Muitas foram as histórias de tubarões enfrentado­s a punhal, de jamantas gigantes capturadas e exibidas na praia, baleias furiosas em alto mar, que se tornaram míticas. Eles e outros pescadores, eram quem desvendava os segredos do mar, apenas cantado nas mornas, de longe, por gente que nada sabia de pesca ou caça submarina. E hoje, o mar continua sustento, mas também cemitério. Segue uma tradição que já vem de muito longe. Não, nem sempre é bom morrer no mar, como cantou Caymmi.

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Monaia
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