Concursos sem cadernos de encargos
Os problemas detectados pela auditoria da IGF aos recursos do Fundo do Turismo são vários. E para que tudo não fique entre o que diz este jornal e o hoje gestor de Manuel Ribeiro, A NAÇÃO apresenta os seguintes factos recolhidos do relatório da auditoria àquele fundo e que nunca foi publicado pelo Ministério das Finanças, apesar de aprovado pela IGF desde Janeiro de 2022.
Na cidade da Praia, no período de Óscar Santos, para a requalificação do Miradouro Cruzeiro/Zona Ténis e da Zona Liceu Domingos Ramos houve uma deliberação que autorizava a abertura do procedimento, concurso restrito, para contratação de uma empresa para realização de obras de asfaltagem de algumas vias de bairros da cidade da Praia, com valor contratual estimado em 200 milhões de escudos no qual estão contempladas duas obras financiadas pelo Fundo do Turismo.
A mesma deliberação determinava que fossem convidadas as empresas Armando Cunha, Elevo Engenharia e CVC-Construções de Cabo Verde para a execução das obras.
Caderno de encargos
Contudo, em nota, datada de 30 de Maio de 2018, “respondendo a uma solicitação do Presidente da CMP, Óscar Santos, da mesma data, o Tribunal de Contas (TC) refere ao contrato de asfaltagem de algumas vias da cidade da Praia como sendo uma adenda de um contrato”.
Para justificar o ajuste directo, a CMP invocou motivos técnicos, o que parece ter sido o caso, em virtude de uma das empresas em causa ser na altura, “a única que dispunha de uma central de betão em atividade”. Porém, “de acordo com os documentos disponibilizados, a CMP adotou o procedimento concurso restrito”.
Por outro lado, da análise dos documentos, a equipa de inspecção verificou que não havia cadernos de encargo e o convite de 5 de Maio de 2017 não indicava os fundamentos da escolha do concurso restrito; os documentos que deveriam integrar a proposta; os critérios de avaliação para adjudicação; e os factores de avaliação das propostas e respetiva ponderação. “Não existe comprovativo de recepção do convite por parte das empresas convidadas”.
Indícios de falcatrua
Os indícios de contratos forjados surgiram da análise aos documentos dessa empreitada, onde se constatou que “não constam o dossier do concurso as propostas técnicas nem planos de trabalho dos concorrentes”.
De acordo com o relatório de avaliação de propostas apresentado pelo júri, foram apresentadas as seguintes propostas financeiras: Armando Cunha, 200.656.980,00 (com IVA), num prazo de 14 meses; Elevo Engenharia, 174.656.976,95 (com IVA), num prazo de 12 meses; CVC – Construções de Cabo Verde não apresentou proposta.
Da comparação dessas duas propostas financeiras apresentadas, a equipa da IGF verificou que “os quadros apresentados no corpo das propostas financeiras da Empresa Armando Cunha e Elevo Engenharia estão formatados da mesma forma, ou seja, apresentam a mesma cor e espessura das linhas e o mesmo tipo de letra”
“Os preços unitários dos 47 itens existentes na proposta financeira da Elevo Engenharia são inferiores em 15% (arredondados a duas casas decimais) em relação aos mesmos 47 itens também existentes na proposta da Armando Cunha”, esclarece.
Relativamente à avaliação de proposta o relatório de auditoria diz ter constatado que “não existe acta do ato público, nem lista de presença dos concorrentes. Por outro lado, não foi dado conhecer ao Procurador-Geral da República ou seu representante para assistirem ao ato público”.
“Não foi elaborado o relatório preliminar para dar a conhecer aos concorrentes, para, querendo, se pronunciarem sobre a avaliação” e, no relatório final de 6 de junho 2017, o júri propõe a adjudicação da obra à Elevo Engenharia, “todavia não consta do relatório a pontuação atribuída a cada empresa e nem foi realizada a avaliação técnica”.
Contudo, a referida obra foi adjudicada à Elevo Engenharia, sem que o relatório do júri tivesse sido homologado pelo presidente da CMP. Por outro lado, uma deliberação da CMP adjudicava a referida obra à Elevo, numa parceria tripartida que também envolveu o banco BAI (Banco Angolano de Investimentos).
Segundo o relatório, no dia 26 de Junho de 2017, foi celebrado um contrato de empreitada no valor de 174.656.980 escudos entre a CMP e a Elevo Engenharia para a asfaltagem de algumas vias de bairros da cidade da Praia, no qual estão incluídos a asfaltagem da Zona de Liceu Domingos Ramos e Zona Ténis no valor total de 60.823.467 escudos, “sem a prestação da devida caução”.
“A data da celebração do contrato, 26 de Junho de 2017, é anterior à data de adjudicação da obra, independentemente da data da deliberação de adjudicação tomada como verdadeira. Por outro lado, na declaração datada de 16 de junho de 2017, antes da assinatura deste contrato, a CMP comprometeu-se a pagar o montante de 174.656.979,75 CVE, referentes às faturas do referido contrato por crédito na conta de depósito a ordem da Elevo Engenharia no BAI”, sublinha.
Das acções realizadas e em face às verificações, “conclui-se que nos processos de contratação das empreitadas de obras públicas, a CMP cometeu várias irregularidades que põem em causa o princípio de transparência e boa gestão da coisa pública”.