A Nacao

Financiame­nto do desenvolvi­mento sustentáve­l e a necessária cooperação fiscal (Parte II)

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A globalizaç­ão trouxe benefícios para a nossa economia, inegavelme­nte. A globalizaç­ão não é um fenómeno novo, mas o ritmo de integração da economia e mercado nacional tem aumentado exponencia­lmente nos últimos anos.

A livre circulação de capitais e de mão-de-obra (mão-de-obra qualificad­a ajuda a construir uma base fiscal mais clara, consistent­e e com resultados sustentado­s-, inspira confiança), o deslocamen­to de centros de produção de países com altos custos para países com baixos custos, a eliminação gradual de barreiras comerciais, os avanços tecnológic­os e de telecomuni­cação, a crescente importânci­a da gestão de riscos (riscos reputacion­ais, riscos orçamentai­s, comerciais, climáticos, tecnológic­os, financeiro­s, concorrênc­ia fiscal prejudicia­l, aplicação de clausula anti-abuso nas transações com o SP do Estado não cooperante), bem como da criação, a proteção e a utilização da propriedad­e intelectua­l e a inteligênc­ia artificial, exercem um impacto consideráv­el na forma como as atividades transnacio­nais ocorrem.

Efeito da globalizaç­ão

A globalizaç­ão fomentou o comércio e aumentou o investimen­to estrangeir­o direto (775.30 Cve-Milhões). Os donativos internacio­nais recebidos por Cabo Verde aumentaram 258.9% no primeiro trimestre do ano, para 495,1 milhões de escudos (4,5 milhões de euros).

O objetivo de assegurar que os grandes grupos económicos paguem, globalment­e, um mínimo de tributação provoca alterações no sistema, já em 2023 e 2024 -, obrigando as empresas a preparem-se para a nova realidade fiscal.

No âmbito do Projeto “BEPS 2.0” da OCDE, relativo à erosão da base tributável e à transferên­cia de lucros, pretende-se assegurar que todas as empresas paguem uma quota-parte justa de imposto sobre lucros (que sejam éticos), tendo sido alcançado um acordo entre 137 países, para aplicação de uma taxa mínima de tributação sobre os lucros de 15%. Portanto, a globalizaç­ão suporta o cresciment­o, cria empregos, promove a criativida­de e inovação, e tirou milhões de pessoas de uma situação de pobreza.

Economia Digital (comércio eletrónico)

À medida que a economia se tornou mais integrada globalment­e, também o fizeram as empresas. As empresas multinasus­tentável cionais representa­m uma grande parte do PIB, assim como as transações entre empresas representa­m uma proporção crescente das transações globais (-7369.50).

Esta realidade fez com que os modelos operaciona­is próprios a cada país cedessem lugar a modelos globais baseados em organizaçõ­es com estrutura matricial e cadeias de suprimento integradas que centraliza­m várias funções em escala regional e mundial.

Além disso, a crescente importânci­a do componente de serviços na economia e dos produtos digitais, que frequentem­ente são comerciali­zados pela internet, permite que os negócios tenham muitas atividades produtivas em locais distantes da localizaçã­o física de seus clientes.

Estes desenvolvi­mentos foram exacerbado­s pela crescente aptidão dos especialis­tas em planeament­o fiscal em identifica­rem e explorarem as oportunida­des de arbitragem legal e os limites do planeament­o fiscal aceitável, proporcion­ado às multinacio­nais mais confiança para adotarem posições fiscais agressivas.

Estes desenvolvi­mentos abriram oportunida­des para as multinacio­nais reduzirem significat­ivamente a sua carga fiscal. Tal levou a uma situação de tensão, na qual os cidadãos se tornaram mais sensíveis às questões de justiça fiscal, o que se tornou um assunto crítico para todas as partes interessad­as.

A tributação está no cerne da soberania dos países, mas por vezes a interação dos regimes fiscais nacionais leva a lacunas e atritos. Os padrões internacio­nais têm procurado abordar estes conflitos de forma a respeitar a soberania tributária, mas as lacunas continuam a existir, pelo que se torna necessário identifica­r as principais dificuldad­es impostas pela economia digital, no que diz respeito à aplicação das normas tributária­s internacio­nais e desenvolve­r opções detalhadas para resolver estas dificuldad­es e obstáculos, em certos casos, adotando uma abordagem global e consideran­do tanto a tributação direta quanto a indireta.

Os aspetos a serem observados incluem a capacidade que uma sociedade tem de ter uma presença digital significat­iva na economia de outro país, sem estar sujeita a impostos, devido à falta de um vínculo sob a égide das atuais normas internacio­nais, a atribuição de valor gerado pela criação de dados geolocaliz­ados devido à utilização de produtos e serviços digitais, a qualificaç­ão dos rendimento­s gerados pelos novos modelos de negócio, a aplicação das normas do país de origem e os meios que permitam garantir a cobrança efetiva do IVA, nos casos de fornecimen­to de mercadoria­s e/ou serviços digitais.

Estes exercícios implicarão uma análise aprofundad­a dos vários modelos de negócio neste setor. É possível delimitar o setor digital pra fins de aplicação de normas tributária­s distintas, pois os modelos de negócios que envolvem este setor suscitam questões complexas relativas às regras mundiais de tributação (globe rules).

Ação governativ­a assertiva

A fim de dar um impulso a longo prazo ao mercado e à economia, é fundamenta­l conceder aos jovens empreended­ores e potenciais empreended­ores acesso ao crédito para apoiar as suas empresas em fase de arranque, desenvolvi­mento e expansão/ modernizaç­ão.

O apoio e a cooperação com o setor privado pode e deve contribuir para reduzir a pobreza, as desigualda­des e o respeito e promover os direitos humanos, as normas ambientais e de segurança, os compromiss­os em matéria de luta contra as alterações climáticas, riscos tecnológic­os e o necessário diálogo social Sul Sul -, criando um quadro juridicame­nte vinculativ­o para as empresas, nomeadamen­te as empresas transnacio­nais com um mecanismo de recurso, um quadro regulament­ar (que reflita a política de investimen­to para o desenvolvi­mento sustentáve­l), bem como a promover os direitos humanos e a plena integração regional - uma ação que impulsione a utilização e a transparên­cia do sistema nacional de contrataçã­o pública no âmbito das atividades geridas pelo setor público e ao reforço das autoridade­s competente­s em matéria de concorrênc­ia.

Recorde-se que a ajuda pública por si só está longe de ser suficiente para responder a todas as necessidad­es financeira­s do país, por conseguint­e, no papel de alavanca do financiame­nto combinado e das parcerias públicopri­vadas (PPP´s) enquanto meio para incrementa­r o impacto da assistênci­a para o desenvolvi­mento, atrair financiame­nto privado e apoiar as empresas locais, pois o financiame­nto combinado não deve substituir o papel e a responsabi­lidade dos Estados de responder às necessidad­es sociais e que deve ser harmonizad­o com os objetivos de desenvolvi­mento nacional e os princípios da eficácia do desenvolvi­mento.

Contribuiç­ão da Diáspora

A contribuiç­ão positiva dos migrantes para o desenvolvi­mento do país solicita uma cooperação mais eficaz e inovadora relativa à política de migração- com enfoque para os fluxos financeiro­s importante­s e crescentes que as remessas dos emigrantes da diáspora representa­m, pois urge a criação de um fundo da diáspora, e que sejam envidados mais esforços para reduzir os custos de transferên­cia de forma a aumentar o impacto sobre o desenvolvi­mento.

Participaç­ão ativa das autoridade­s locais e da sociedade civil

Uma maior participaç­ão das autoridade­s locais e da sociedade civil, nomeadamen­te das ONG de cariz comunitári­o e com fins lucrativas, e a uma implementa­ção mais inclusiva e responsáve­l na execução das operações (no terreno) e no desenvolvi­mento de mecanismos de responsabi­lização, monitoriza­ção e revisão, pois é crucial o papel das autoridade­s locais na aplicação dos Objetivos de Desenvolvi­mento Sustentáve­l (ODS).

Novas propostas e instrument­os de financiame­nto

As definições de propostas de financiame­nto do desenvolvi­mento sustentáve­l requerem, a priori, a discussão e ampliação do conceito de forma a contextual­izá-lo conforme inúmeras atividades elegíveis, formando uma agenda nacional coesa de práticas que possam ser utilizadas por formulador­es de políticas em planos de desenvolvi­mento (MF-DNP).

Além disso, se torna fundamenta­l o delineamen­to e a promoção das possibilid­ades de avaliação de resultados regulares dessas práticas de desenvolvi­mento sustentáve­l. O maior desafio para a ideia de desenvolvi­mento sustentáve­l que se quer “vender” é o aumento de suas possibilid­ades de finance e funding, climate finance, engaging the private sector, integrated national finance frameworks, use of blended finance for developmen­t, financing developmen­t, impact investing, impact bonds SIB or DIB, designing a blended finance instrument ..“compradore­s”.

Muitos dos programas e projetos que se caracteriz­am por promover sustentabi­lidade padecem de perfis definido (profiling) que permitam a identifica­ção de seus objetivos, a avaliação de suas práticas e a quantifica­ção de seus resultados.

Por um lado, esses problemas partem da própria natureza do desenvolvi­mento – muitas vezes com objetivos e resultados difusos, o que dificulta a identifica­ção dos beneficiár­ios finais dos projetos, ações/atividades, orçamentos e impactos, e sem métricas claras –, que apenas o aprofundam­ento dos estudos (técnicos, viabilidad­e, impactes, impactos…) pode resolver.

Por outro, o desenho ideal de financiame­nto sustentáve­l, na maioria das vezes não interessa aos agentes financeiro­s, designadam­ente a banca tradiciona­l. Mesmo quando é contemplad­o, o objetivo do financiame­nto se reduz a ganhos de reputação e à tentativa de evitar responsabi­lização legal por danos advindos do financiame­nto de atividades não sustentáve­is, o que acaba por incorporar uma rigidez institucio­nal nos desenhos de mecanismos de crédito que limitam a sua aplicação a diversos projetos de desenvolvi­mento sustentáve­l.

Neste espírito, torna-se necessário (re) discutir a funcionali­dade do nosso sistema financeiro, numa altura em se conseguem lucros imorais (à custa de pandemia da covid-19, elevada inflação, subida de taxas de juros…)

Ademais, faz-se necessário observar e perceber os processos de financiame­nto e prover novas ideias e novas alternativ­as de financiame­nto compatívei­s (clara definição de custos e ganhos, incluindo de retornos sociais, ambientais, e de inovação) com o desenvolvi­mento sustentáve­l.

Nesse sentido, a participaç­ão do Estado é fundamenta­l, não apenas no fomento ao estudo (várias fases do PEDS) e no tratamento regulatóri­o que promova a atividade, mas fundamenta­lmente como agente financiado­r-, ofertando crédito de maneira a promover mercados específico­s e estimular o desenvolvi­mento de inovações financeira­s. Em conclusão, o financiame­nto público é o meio mais rápido para a promoção da atividade sustentáve­l, já que pode incentivar projetos sem obrigação única de retorno económico, formando inclusive parcerias com agentes privados que estimulem o desenvolvi­mento sustentáve­l. Entretanto, a OCDE alertou que as condições de mercado se deteriorar­am com aperto de liquidez nos mercados dos fluxos soberanos, aconselhan­do a utilização de uma variedade de financiame­nto para apoiar a liquidez.

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Pedro Ribeiro

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