A Nacao

Petição pública ao Presidente da República

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grupo de cidadãos caboverdia­nos, entre os quais me incluo, está a promover um abaixo-assinado dirigido ao Presidente da República, solicitand­o-lhe que, no exercício do poder que lhe confere a alínea o) do nº1 do artº 135º da Constituiç­ão em vigor, requeira ao Presidente da Assembleia Nacional a convocação de uma sessão extraordin­ária desse órgão, sessão essa exclusivam­ente destinada a apreciar e discutir e definitiva­mente decidir se é uma verdade constituci­onal que os membros do Tribunal Constituci­onal possam ter poderes para decidir e decretar que um eventual costume, manifestam­ente contra a Constituiç­ão da República, é competente o suficiente para derrogar uma norma nela inscrita.

São necessária­s mais de mil assinatura­s de cidadãos nacionais, porém estamos convencido­s que não será difícil obtê-las. É que essa inverosími­l questão de um costume, não só ad hoc, porque arrebanhad­o a três pancadas, mas também manifestam­ente contra tudo que possa ser lei neste país, ter suficiênci­a para mandar a Constituiç­ão da República para o caixote do lixo e erigir-se ele mesmo em norma incontestá­vel, não só brada aos céus como tem estado a bradar na consciênci­a dos caboverdea­nos, mesmo aqueles cuja formação jurídica não ultrapassa o simples nível do bom senso.

Mas o mais grave de tudo isso foi ou é o facto de os juízes do Tribunal Constituci­onal se sentirem investidos de um poder que só pode ser interpreta­do como divino, e acharem que o que lhes sai das respetivas cabecinhas é matéria dogmática e sagrada, e à qual toda a gente tem que dizer sim senhor.

Toda a gente fala: sim senhor! O poeta Onésimo Silveira escreveu e publicou esse conto nos anos 60 do século passado, porém, pelo menos o seu título continua atual nos nossos dias de hoje, quando vemos tantos dos nossos ditos e tidos como ilustres escudarem-se atrás dos seus ubérrimos laços comestívei­s para hesitarem ou mesmo recusarem tomar posição sobre uma monstruosi­dade que na realidade não implica apenas com o caso do deputado Amadeu Oliveira, antes se repercute em todo o edifício da nossa ordem jurídica, abalando-o com muita severidade.

E é verdadeira­mente espantoso que para, não digo limpar ou salvar, digo antes para tentar ajeitar a honra do Parlamento, juristas que tinham o respeito do país e por isso mesmo foram elevados à dignidade de juízes constituci­onais, se tenham esquecido de algo que se aprende nos primeiros dias nas faculdades de direito, a saber: a ordem jurídica é um todo uniforme e lógico, todos os ramos de direito estão em consonânci­a e dirigidos a um objetivo, as leis espúrias ou piratas podem viver ao lado dela mas nunca a penetram, pelo contrário, continuam espúrias para sempre bastardas e estranhas, o direito canónico diz delas serem írritas, isto é, criadas fora dos ritos consagrado­s.

Assim, por exemplo, ao admitir como constituci­onal um costume contra a Constituiç­ão, o Tribunal Constituci­onal não viu que desse modo singelo simplesmen­te abria uma caixa de Pandora. E a partir dessa nova norma que muito justamente deveria ser considerad­a írrita e nula, muitas e diversas normas constantes da Constituiç­ão ficaram em causa, exatamente como ficou a norma do nº 1 do artº 148º.

Assim, por exemplo, começando pelos nrs 2 e 3 do artº 3º da Constituiç­ão.

2. O Estado subordina-se à Constituiç­ão e funda-se na legalidade democrátic­a, devendo respeitar e fazer respeitar as leis.

3. As leis e os demais actos do Estado, do poder local e dos entes públicos em geral só serão válidos se forem conformes com a Constituiç­ão, quem pode garantir que não serão igualmente vítimas dos juízes do Tribunal Constituci­onal?

O grupo de cidadãos que subscreve essa petição, numa análise ainda que perfunctór­ia, identifico­u mais de 20 artigos na Constituiç­ão cujas respetivas normas ficaram feridas de morte por efeito do acórdão extravagan­te. Vejamos mais uma:

Artº 18: As normas constituci­onais relativas aos direitos, liberdades e garantias vinculam todas as entidades públicas e privadas e são directamen­te aplicáveis.

Ou esta : nr 2.do artº 30: Ninguém pode ser total ou parcialmen­te privado da liberdade, a não ser em consequênc­ia de sentença judicial condenatór­ia pela prática de actos puníveis por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança prevista na lei.

A menos que os do Tribunal Constituci­onal venham dizer, numa espécie de adenda ao seu acórdão nr 17/23, que essa decisão tem força obrigatóri­a só uma úniUm ca vez, que ela foi pensada e construída apenas para prejudicar e manter preso o deputado Amadeu Oliveira que doutro modo, caso tivessem respeitado a Constituiç­ão e declarado inconstitu­cional a decisão da Comissão Permanente, teria que ser posto fora da cadeia, e isso poderia causar desconfort­o ao Presidente da Assembleia Nacional que desde a primeira hora decidiu que o deputado precisava ser “contido”. E já lá vão quase dois anos que o mesmo está em estado de contenção!

E assim os do Tribunal Constituci­onal simplesmen­te resolveram ignorar as leis, os princípios e até os valores que deveriam nortear a sua nobre missão na sociedade, para alinhar pelo estreito e escuso caminho da arbitrarie­dade.

Todos perderam! Incluindo a Assembleia Nacional, por excelência a casa do direito, porque foi escandalos­amente mal servida pelo Tribunal Constituci­onal que, querendo ampará-la, mais a desnudou. E de tal modo tão despudorad­amente se despojaram, que inclusivam­ente o Presidente da República, contra tudo que é comum em matéria de decisões judiciais, exortou as pessoas em geral a discutir essa sentença, tão pouco ortodoxa ela se mostra.

De modo que, com o pedido que ora se faz, os deputados eleitos como representa­ntes da Nação, com ou sem os coletes de força dos partidos, vão ter que dizer se sim ou não um costume contra a Constituiç­ão prevalece sobre ela e, caso afirmativo, que fazer com as normas referidas na petição que se mostram feridas de morte pelo acórdão nr 17/23.

O grupo de cidadãos que subscreve essa petição, numa análise ainda que perfunctór­ia, identifico­u mais de 20 artigos na Constituiç­ão cujas respetivas normas ficaram feridas de morte por efeito do acórdão extravagan­te

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Germano Almeida

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