Fazer história pelas ilhas
E como foi o regresso a Cabo Verde?
Regresso dá-pelo esgotamento da minha esposa. Coincide também com a chegada de uma nova federação, não se aperceberam da dimensão dos jogadores que Cabo Verde tinha naquela altura. O Rodrigo e o Mário que entraram para a federação, disseram-me ‘coach estamos a precisar da tua ajuda’. Havia uma geração de grandes jogadores, o Ivan, Edy Tavares, e eu disse este país que me deu tanto, agora é a minha vez de ir, esses jogadores foram meus capitães de equipa, eu devo isso a Cabo Verde e a eles. Falei então com a minha mulher, ela estava farta de Angola, da insegurança, estava cansada e queria voltar à sua terra, ela é da boa Vista, e teve sempre aqui o seu trabalho. Ela disse, ‘tens de acompanhar o crescimento das tuas filhas, sais do clube e entras na selecção, oito anos disso, as tuas filhas estão a crescer, o dinheiro não é tudo na vida’. O ministro Fernando Elísio abraçou a ideia para que eu pudesse regressar em 2018, agora num projecto traçado para dar a dimensão grande desta selecção. Em 2019 ficámos em 4º lugar do AfroBasket e agora chegamos ao campeonato do mundo.
Conta-nos como é o teu dia a dia.
Moro na Terra Branca, onde sou uma pessoa muito querida. Levanto-me cedo e venho a caminhar para o pavilhão. Ainda não tenho o transporte que me foi prometido, por algumas entidades, mas essa é outra história. Chega cedo à Federação, por volta das 7h30 e faço a preparação dos cursos de treinadores, monitores, Partilho toda a informação vinda de fora, tento saber quais as dificuldades para os campus e para melhoram técnico, tentar melhorar fundamentos dos atletas, saber das dificuldades dos treinadores, dando-lhes oportunidades, Tenho duas filhas, uma natação, outra basquete. A partir das 14 horas, dou acompanhamento a ao trabalho individual, vou às escolas ver o que se pode melhorar.
Achas que Cabo Verde poderá manter estes níveis técnicos e de qualidade, no futuro?
O governo é o maior patrocinador, e as pessoas têm de perceber a dimensão a que chegámos. No Japão, na Eslovénia, perguntam ‘como foi possível vocês chegarem aqui?’ Temos oito atletas em Espanha, em várias ligas, onde estava só o Edy Tavares. Os nossos embaixadores desportivos devem ser iguais em importância aos políticos. A dimensão política do país pode beneficiar das portas que o desporto abriu. Esta grande geração de jogadores pode chegar a campeão de África, eu posso não estar, estarão outros.
Os políticos e sociedade cabo-verdiana têm essa consciência?
Eles sabem, mas não dão o devido reconhecimento. O nosso capitão desta selecção que chegou do AfroBasket, reformou-se e não houve reconhecimento, isto é gravíssimo. Estou a assumir isso e sei que essas pessoas vão chocar comigo, cada vez vão chocando mais, mas tenho pelo menos a hombridade de dizer as verdades e a legitimidade para isso. Fomos agora a uma competição de apuramento para o AfroBasket, com menos sete elementos que foram ao campeonato do mundo, ganhámos três jogos a três potências do basquete. São indicadores, amanhã vai embora o Trovoada, mas o trabalho continua. Mas se nós por dentro, não sentimos esse reconhecimento ao nosso capitão, que saiu, que se reformou, que é um grande homem, que trabalhou para o basquete…
Achas que deveria ter sido feito uma homenagem?
Eu acho que devia ser muito mais, muito mais a esta selecção. E é isso que vai acontecer com o Edy, falo nele porque é o nosso elemento de maior dimensão, mas temos outros, há jogadores que vão querer não vir à selecção, porque não se sentem em casa, sentem-se melhor lá fora, pelo tratamento que têm lá fora.
Mas isso tem sido geral, em diversas modalidades…
Mas não pode acontecer
As instituições e os políticos avaliam por baixo aquilo que têm em mãos?
Eu vou ainda mais fundo, pergunto: será que as pessoas que estão a liderar esse processo, já perceberam em que condições é que o Trovoada aqui está? O que é que ele faz, como é que vive, como é a sua casa? Quais são as suas condições? Mas, na altura de ganhos, de vitórias, nós somos chamados, mas eu não quero nessa altura, eu quero é agora, que deem condições para mim e para os meus colegas, para os outros treinadores, para as associações, para que toda a gente possa trabalhar. Ontem tivemos aqui uma pessoa que nos está a ajudar muito e vimos as mesmas reivindicações, vi aqui um treinador de São Filipe, a dizer nós estamos a mexer com a população de São Filipe, não havia basquete em São Filipe, na mesma sala estavam outros que estão a fazer o mesmo na Achada Grande, em Ponta d’Água. O basquete hoje tem outra dimensão e há uma procura maior de jogadores masculinos e femininos, mas também dos técnicos, temos a nossa Nata que é treinadora no Algarve, aqui é tudo de borla na federação, nós temos de mudar essa mentalidade… o governo faz muito, faz, é o grande patrocinador, mas o governo pode abrir portas a outros parceiros. Na Tunísia, perguntei porque é que tinham tantos pavilhões. Nós estávamos numa unidade, em Monastir, uma unidade turística, perguntei de onde tinha vindo aquilo e disseram, isto é o retorno, o dono desta unidade turística estrangeira tem de dar, tem de contribuir,
Achas que aqui podia ser igual?
Sim, há muitas empresas estrangeiras, a nível do turismo, que podem ajudar, como também já fazem na saúde, não é a minha área, mas todos vemos que podia ser por aí. Quanto ao apoio do governo é agradecer porque são, de facto, o maior patrocinador. Se chega, não sei…se eles já perceberam que estamos numa outra dimensão? Também não sei… não o sinto.
Planos para futuro E qual a perspectiva de continuares em Cabo Verde?
Eu já devia ter saído e fiquei só pelas pessoas, que para mim são importantes, Mário Correia, o novo presidente da federação, foi uma pessoa que me deu muito, como jogador, e eu tinha que cumprir um ciclo para poder agraciar também o que ele tem feito. Foi uma pessoa que deu a vida dele, a saúde dele ao nosso basquetebol, as pessoas não têm a mínima noção. Pessoalmente, Cabo Verde deu-me muito, abriu-me portas para eu poder mostrar as minhas qualidades, deu-me imensas oportunidades. Eu hoje entro no mercado, é uma festa, só não me dão as batatas porque eles precisam desse dinheiro. Eu passo na Pedonal, a minha mulher diz ‘e pá, eu não consigo sair contigo…’ Este reconhecimento das pessoas eu sinto-o, vou a São Vicente, vou a Santo Antão, dizem ‘coach, você tem qui bem mais vezes ali...’ Quando acabou o campeonato do mundo eu tinha dito ao Mário Correia que a minha prestação acabava ali, porque de facto eu sou muito ambicioso e quero ir mais longe.
Funcionas por projectos?
Deixei um trabalho feito, como deixei em 2007, quando saí. O objectivo é ser campeão africano, sinto que esta geração experiente e com os novos jogadores, eu sinto que podemos ser campeões africanos. Mas sinto que as pessoas não estão na mesma linha de pensamento que eu. E começa a vir do lado do Emanuel Trovoada um cansaço, um desgaste enorme, pelo não cumprimento de muitas coisas, de perceber que há constantemente convites de fora, e que eu devia ir mas que não vou, porque agora é a minha vez de acompanhar o crescimento das minhas filhas. Uma está muito perto de sair para a universidade e eu tenho um compromisso com a minha mulher, em casa, ela está sempre a dizer, ‘vai, vai à tua vida, eu sei que tu queres estar nesse patamar como os outros’, mas eu tenho esse compromisso familiar também.
Significa que te vamos ter ainda por alguns anos?
Podem ter-me cá em Cabo Verde, mas não necessariamente na selecção. Eu posso querer fazer outra coisa, a ligação com o país vai estar sempre presente, a minha mulher é cabo-verdiana, os meus maiores amigos estão cá, eu organizo campus todos os anos. Mesmo nos anos em que estive em Angola, vinha todos os anos no Verão fazer campus, eu adoro fazer isso, a minha grande paixão é estar com os miúdos, trabalhar campus, tenho um projecto de uma academia de talentos, que nos poderia levar a ter rendimentos, aproveitando os grandes talentos que temos cá e coloca-los fora…
Como está esse projecto?
Está parado. Falámos com vários parceiros, há gente que quer avançar, mas se não o fizer cá, vou acabar por fazer noutro sítio, em São Tomé, em Angola ou na China… É uma das coisas que quero fazer no futuro, não quero ficar eternamente e nem ser um problema para os outros, eu quero é soluções. Quando chegámos, esta federação estava cheia de buracos, hoje está arranjada, pintada, com a ajuda de todos. Temos a base de dados de todos os jogadores, se me falar de um miúdo bom em São Vicente, Santo Antão, no Fogo, tomos esses dados…sobre os treinadores de nível 1 e 2 e que vão continuar
Ainda não tens a nacionalidade cabo-verdiana?
Pedi-a, através da minha mulher, esse é outro problema que ainda tenho, eu pago entradas no país, à chegada.
Como um estrangeiro?
Tenho de pagar, eu sou um estrangeiro, entro com passaporte angolano ou o português, mas isso é por culpa minha, agora neste momento tive um atraso na chegada do passaporte de serviço e tive de pagar.
“O governo é o maior patrocinador, e as pessoas têm de perceber a dimensão a que chegámos. No Japão, na Eslovénia, perguntam ‘como foi possível vocês chegarem aqui?’ Temos oito atletas em Espanha, em várias ligas, onde estava só o Edy Tavares. Os nossos embaixadores desportivos devem ser iguais em importância aos políticos