A guerra de que ninguém fala
Há uma guerra na sombra da comunidade internacional, onde uma criança morre em cada duas horas. O conflito que assola o Sudão e que já provocou uma das maiores crises humanitárias e de deslocação de populações, resulta da luta sangrenta entre dois generais. Analistas internacionais criticam os dois pesos e duas medidas da comunidade internacional, mais interessada nas guerras da Ucrânia e de Gaza. A África, uma vez mais, como que não existe.
Os generais que mergulharam o Sudão no caos são Abdel Fatah al-Burhan, o homem forte do país, e o seu número dois Mohammed Hamdan Dagalo. Este ficou conhecido como Hemedti e é o líder das paramilitares Forças de Apoio Rápido (FAR).
De acordo com um porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), para além dos 8,6 milhões de pessoas deslocadas, no espaço de um ano, cerca de 40 por cento da população enfrenta também grave insegurança alimentar e várias centenas de milhar de crianças sofrem de desnutrição aguda.
Segundo ainda especialistas internacionais, a comunidade internacional segue e participa mais activamente nas guerras da Ucrânia e na Faixa de Gaza, ignorando este conflito, num dos maiores países africanos, e o povo sudanês.
Conforme as Nações Unidas, enquanto 6.7 milhões
de pessoas eram obrigadas a deixar as suas casas, 1,8 milhões cruzaram as fronteiras dos países vizinhos, rumo a países como o Chade e a República Centro-Africana. Estes acusam também a incapacidade para receber estas populações de refugiados e o receio de um maior colapso económico.
Cartum, ‘cidade-fantasma’
A sempre movimentada Cartum, a capital sudanesa e centro económico do país, é hoje descrita como uma ‘cidade-fantasma’, abandonada pelos seus habitantes, enquanto os dois generais se batem pelo poder.
Para a classe mais abastada do país, comerciantes e homens de negócios (cerca de 500 mil pessoas), a alternativa foi mudarem-se para o Egipto, a norte, com ligação directa por estrada. Enquanto isso, 18 milhões de homens e mulheres são ameaçados pela fome, a que se juntam cerca de 750 mil crianças em desnutrição aguda.
O conflito sudanês resulta do desentendimento entre os dois generais que, em 2021, haviam unido forças para tomarem o poder, depondo o ditador Omar al-Bashir. O ponto de discórdia foi a integração das FAR, Forças de Apoio Rápido, de Hemedti, no exército nacional. E esta tinha sido a condição negociada, no acordo final para a transição pós al-Bashir. O resultado foram violentos ataques e bombardeamentos que assolaram bairros de cartum, levando milhares de habitantes a abandonar o país, diariamente.
Crise humanitária poderá agravar-se
E segundo a ONU, a crise humanitária no Sudão, resultante do conflito, poderá agravar-se ainda mais nos próximos meses e levar a instabilidade aos países vizinhos. Os ataques incessantes e a ausência de tréguas impedem a distribuição de alimentos às populações.
A Juntar a tudo isto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para o colapso do sistema de saúde e a falta grave de medicamentos, vacinas e equipamentos, para os surtos de cólera e sarampo que já começam a registar-se.
De acordo com o porta-voz do Comité Internacional da Cruz Vermelha, no país, 70% das instalações médicas no país não estão a funcionar por causa dos combates. E os restantes vão funcionando com escassez de pessoal e equipamento.
Segundo especialistas, o colapso social e económico atinge níveis de tal gravidade no país, que nem a riqueza gerada pela venda do petróleo irá ser suficiente para a reconstrução do país, nos próximos tempos. Se a isso juntarmos a ‘concorrência’ das guerras da Ucrânia e de Gaza e a falta de atenção dispensada pela comunidade internacional, ao conflito, o futuro dos sudaneses não parece nada risonho.