Processo eleitoral gigante começou na maior democracia do planeta
A maior votação de sempre já está em marcha, no país mais populoso do mundo, a uma escala gigantesca e difícil de imaginar. Para começar, a população da Índia é mais de 1,4 mil milhões de pessoas, o que, só por si, já é colossal. Possui um universo de 969 milhões de votantes (mais de 10% da população mundial) – que vão exigir mais de 1 milhão de urnas espalhadas por todo o sub-continente indiano. O actual primeiro-ministro, aumenntadr Narendra Modi, e o seu partido BJP esperam ainda mais a maioria no parlamento, num país que muitos apontam estar a seguir os perigosos caminhos do nacionalismo religioso.
Os serviços do Estado indianos têm em mãos a tarefa de levar as urnas e supervisionar votações nas regiões mais remotas: aldeias nas florestas e nas montanhas mais escondidas, onde só se chega de canoa, a cavalo ou montado em elefantes. Algumas comunidades vivem em picos situados a mais de 4 mil e 500 metros de altitude, nos Himalaias indianos.
Serão precisos seis semanas para completar todo o processo eleitoral, destas legislativas, que começou no final de Abril, nesta que é conhecida como a maior democracia do planeta. Dada a sua complexidade, o acto é dividido em sete fases, pelos vários Estados que constituem a União Indiana e envolve mais de 15 milhões de na Comissão Eleitoral, encarregues de fiscalizar todo o processo.
As urnas serão encerradas no dia 1 de Junho e os resultados, apesar do gigantismo do processo e dos meios envolvidos, serão anunciados logo no dia 4. Uma das curiosidades destas legislativas e que poderão ter uma palavra nos resultados, são os 18 milhões de jovens que votam pela primeira vez.
Os custos desta operação são também a uma escala brutal, para números a que estamos habituados. E são as mais caras do mundo: mais de 10 mil milhões de euros. E este ano, os custos aumentaram em mais de 100%, em relação às eleições de 2019. Para concluir a dimensão destas eleições legislativas indianas, refira-se que estão registados mais de 2 600 partidos políticos para a corrida eleitoral. E aqui, o BJP (Partido Bharatiya Janata, no poder desde 2014), do actual primeiro-ministro Narendra Modi, surge como o favorito, na luta para um terceiro mandato.
E é claro que o mundo inteiro tem os olhos postos nos resultados eleitorais do país mais populoso do mundo e que tem uma das economias com as maiores taxas de crescimento. Para o Ocidente, a Índia vem surgindo como uma alternativa ao crescente poder económico e protagonismo da China, nos últimos anos. A prova são os vários acordos económicos e de cooperação assinados, recentemente, com o Estados Unidos, Reino Unido e a França.
E, sem margem para dúvidas, Modi é hoje o homem forte da Índia, valendo muito mais, em termos de popularidade, que o seu próprio partido BJP. Na última década, este antigo ministro responsável do Estado de Gujarat (2001-2014), ajudou a sua máquina partidária a atingir um elevado nível de organização, sobretudo no uso das novas tecnologias e nas redes sociais, com as quais aumentou substancialmente o seu eleitorado. A máquina de propaganda do partido foi de tal modo avassaladora, congregando milhões de voluntários, que o BJP chegou a ser acusado, nas últimas eleições, de propalar desinformação e perturbando o processo eleitoral.
Numa leitura mais incisiva sobre o que está em causa, as últimas eleições de 2019 deram uma forte maioria parlamentar ao partido BJP, de Modi, com 303 lugares, atingindo um total de 352, somados os votos dos partidos da sua coalição. Mas, desta vez Modi pretende ultrapassar a marca dos 400 lugares, dos 543 que constituem o parlamento indiano.
Outra das consequências apontadas aos anos de poder de Modi é a viragem que a Índia vem conhecendo, afastando-se paulatinamente de um rumo secular, baseado na constituição, para seguir políticas hindus de forte pendor nacionalista, promovidas por Modi e o partido BJP. Em causa, indicam os seus críticos, está a garantia da igualdade e liberdade religiosas, em risco com o aumento do protagonismo e do poder maioritário dos hindus. O partido goza tampessoas,
bém de muitos fundos e recursos financeiros, podendo gastar muito mais do que os seus adversários, nas campanhas eleitorais.
Modi e o culto de personalidade
A ideia do jovem pobre vindo de uma casta baixa, no Gujarat, que ajudava o pai a vender chá, fez de Narendra Modi uma figura extremamente popular – um homem de pulso forte e, ao mesmo tempo, um homem do povo. E o seu discurso contra a corrupção da elite política do país ajudou a construir o enorme culto de personalidade, de que goza, após chegar ao poder.
Modi apresenta-se como um homem só, sem filhos, e que se refere ao povo indiano como A Família de Modi. E o contacto com esta enorme ‘família’ é feito, todos os meses, através do seu programa de rádio, onde o primeiro-ministro esclarece a população sobre os feitos do seu governo e escuta os seus problemas.
A imagem imaculada do homem do ‘avôzinho’ de barba branca é presença constante, por todo o país: nos bilhetes para comida grátis entregue às pessoas, incluindo nos certificados de Covid, assim como na nomeação de programas de segurança social, batizados de Modi. E se até hoje, nestes dez anos enquanto primeiro-ministro, os jornalistas aguardam ainda por uma entrevista sua, a construção do seu mito tem sido estrategicamente feita através de uma narrativa bem orientada e controlada.
Não admira que as suas políticas nacionalistas lhe tenham granjeado o apoio de mais de 80% dos hindus do país. Um fenómeno de popularidade que o permitiu ir buscar votos em todas as castas sociais do país, desde o pobre camponês, até à classe média urbana e influente. E, nos últimos anos, a sua política externa e a agenda internacional, colocando a Índia na frente dos BRICs e como líder no palco das decisões mundiais, a par do Ocidente, trouxe ao país novos motivos de grande orgulho.
Tudo isso parece garantir uma vitória do seu partido BJP, no próximo dia 1 de Junho. No entanto, algum descontentamento resultante do desemprego e a inflação, que atravessam alguns dos Estados da União, podem pôr em causa a confortável maioria parlamentar de que goza.