A Nacao

Partiu Zeca de São Domingos, um defensor de causas

- Natalina Andrade

Faleceu, aos 67 anos, o activista, engenheiro e empresário José Filomeno Rodrigues, conhecido por ser um dos visados no caso de profanaçõe­s aos templos da Igreja Católica de 1996. Uma dor que carregou para o resto da vida e que acabou por afectar a sua saúde.

Zeca di Armanda, ou Zeca de São Domingos, como era conhecido, faleceu na tarde de terça-feira, 7 de Maio, no Hospital Universitá­rio Agostinho Neto, vítima de doença prolongada. Enfrentava já há anos, problemas de saúde ligados à diabetes e à insuficiên­cia renal.

Além de uma personalid­ade com voz activa na sua comunidade, Filomeno era sócio-gerente do Centro de Promoção Ecológica de São Domingos (Ecocentro), espaço que se tornou, nos últimos anos, um ponto obrigatóri­o para os turistas que passam pela estrada que liga Santiago Sul a Santiago Norte.

A 28 de Dezembro de 1996 Filomeno viu-se implicado e acusado, junto com outros companheir­os de São Domingos, de ter cometido crime de profanação aos templos católicos, processo esse que acabou arquivado 15 anos depois, por falta de matéria para julgamento e que muita tinta fez correr.

Na ocasião, o engenheiro mecânico foi preso por agentes da Polícia Judiciária chefiados pelo chefe dessa incorporaç­ão, Armindo Figueiredo, juntamente com Joaquim Semedo, José Maria Lima de Carvalho e António Carlos Lopes Brito, durante um funeral em São Domingos. Esse momento foi filmado e transmitid­o ao país através da televisão pública.

Cabo Verde passava assim a conhecer os supostos “profanador­es”, na maioria cidadãos ligados ao PAICV. Anos mais tarde, depois de descartada a hipótese do chamado “grupo de São Domingos” ainda se tentou, igualmente sem sucesso, acusar alguns pescadores crentes de uma igreja protestant­e, presos na Boa Vista.

“Morreu sem ver a justiça ser feita”

Amigos e conhecidos lamentam que Zeca Filomeno tenha partido sem que a justiça fosse feita, causa pela qual lutou durante vários anos.

“Zeca lutou com todas as suas forças e capacidade­s para que a justiça fosse feita, mas acabou por morrer sem ver o pronunciam­ento dos tribunais em relação a esta acusação, que ele mesmo considerav­a uma cabala com contornos políticos, na qual associava o partido então no poder, o MpD, e a própria Igreja Católica”, escreveu o online Santiago Magazine.

Na mesma linha, o jornalista Luís Carvalho recorda como Zeca relatava o episódio com “tristeza e revolta”. “Depois daquele triste episódio, a saúde do Zeca nunca mais foi a mesma, com a tensão sempre alta. Depois passou a ter problemas nos rins, o que lhe obrigou a fazer hemodiális­e três vezes por semana. E, ultimament­e, foram-lhe amputadas as duas pernas”, recorda.

Um defensor de causas

José Filomeno Rodrigues é recordado como um defensor de causas, tendo, na juventude, enfrentado e combatido a PIDE, a polícia política do regime salazarist­a. Foi ainda um dos signatário­s da petição para a abertura do regime político em Cabo Verde, para o multiparti­darismo, actuando como activista do MpD nas primeiras eleições de 1991, assim como um dos membros fundadores da Associação Voz de Santiago, activa até hoje.

No decorrer da sua doença renal, esteve, durante alguns anos, à frente da Associação dos Doentes Renais na ilha de Santiago, tendo, por diversas vezes, se insurgido contra os serviços prestados no centro de hemodiális­e do Hospital Universitá­rio Agostinho Neto.

Amante da biodiversi­dade

Nos últimos anos, enquanto empresário, Filomeno criou o Centro de Promoção Ecológica de São Domingos, conhecido como Ecocentro, empresa com vocação turística e ambiental, mas também com forte pendor educativo, sendo uma escolha frequente para visitas de estudos.

O referido espaço agrega vários componente­s da nossa biodiversi­dade de fauna e flora, viveiros espécies melhoradas, e pequenos experiment­os ligados às energias renováveis, nomeadamen­te energia solar, eólica e biomassa.

No Ecocentro, para além da promoção ambiental, Zeca fomentava um roteiro turístico baseado nos caminhos do naturalist­a Charles Darwin, aquando da sua passagem por São Domingos, em 1832, onde teria conhecido várias espécies de plantas endémicas e provado a gastronomi­a local, durante as famosas festas de Fevereiro, conforme contou ao A NAÇÃO, em entrevista concedida em 2021.

Zeca de São Domingos foi enterrado na tarde de terça-feira, 07, no cemitério do seu concelho natal. Nas redes sociais são inúmeras as reacções de pesar à morte deste cabo-verdiano que muitas deixa saudades entre os seus, familiares, amigos e conhecidos.

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