O que os professores precisam realmente?
No final do ano passado e este ano, houve várias manifestações de professores, um pouco por todo o país. O pano de fundo dessas manifestações é o aumento salarial.
O objetivo destas linhas é mostrar que nessas manifestações deviam constar, a meu ver, outras reivindicações igualmente importantes para a melhoria da qualidade de ensino. De entre muitas, posso destacar: reforço de formação inicial; implementação de formação contínua; um currículo mais ajustado às necessidades dos alunos; maior eficiência e eficácia na gestão escolar, a nível micro, meso e macro.
Penso que os professores, do qual estou incluído, antes de pedirem o aumento salarial, deveriam pensar na situação laboral no seu todo porque tudo isso afeta o seu desempenho profissional; a não ser que a maior parte encara a profissão como um lugar para ganhar dinheiro e nada mais. Mas penso que a maior parte dos professores não pensa assim, felizmente. Então é necessário mostrar ao ministério o pacote completo das nossas reclamações a começar pelo reforço da formação inicial.
Formação inicial
A formação inicial que é ministrada aos professores em Cabo Verde, com raras exceções, está desfasada daquilo que os alunos realmente precisam para aprenderem mais e melhor. A formação que existe atualmente apenas permite ao professor ser um simples transmissor de conhecimento, o que é manifestamente insuficiente no século XXI, onde os alunos encontram informações por todo quanto é sítio.
O que é preciso é uma formação robusta em que o professor aprende a discutir criticamente as suas ideias, quer sejam científicas quer sejam pedagógicas. Os conteúdos de formação devem ser essenciais de forma que o professor tenha a oportunidade de discutir várias estratégias de abordagem, tanto com o formador como com os seus pares.
Se a formação se cingir apenas em fixação de conteúdos para o teste escrito, e em alguns trabalhos feitos à pressa sem critérios claros de avaliação, que é o que acontece na maior parte das vezes, então vamos continuar a trabalhar com os nossos alunos nos mesmos moldes que se trabalhava há três ou quatro décadas, onde apenas o professor tinha acesso privilegiado à informação.
Hoje sabemos que não é assim porque existe, felizmente, uma democratização de acesso à informação. E isso é uma razão suficiente para que o professor na sua formação inicial aprenda diferentes formas de trabalhar os conteúdos com os alunos além da simples transmissão do suposto conhecimento.
Formação contínua
Além da formação inicial, o professor precisa de formação contínua como forma de atualizar os seus conhecimentos e novas estratégias pedagógicas que as ciências da educação vai colocando à nossa disposição.
Atualmente, o modelo de formação contínua que o ministério tem seguido, na maior parte das vezes online e sem conhecimento prévio das reais necessidades científicas e pedagógicas dos professores, acaba por redundar num fracasso.
Prova disso é que a maior parte das formações são ineficazes porque os professores não a põem em prática. E para que isso aconteça é preciso que os subdiretores pedagógicos e os coordenadores disciplinares dos agrupamentos tenham um sistema de monitorização funcional, coisa que não existe neste momento. Na ausência desse sistema de monitorização, os professores voltam à sua zona de conforto após a formação.
Currículo ajustado
Outro aspeto importante para o sucesso do trabalho dos professores é um currículo mais ajustado às necessidades dos alunos. Aqui vou analisar o currículo no sentido estrito do termo ou pelo menos num dos seus aspetos. O aspeto que mais me preocupa são os conteúdos.
Em geral, os conteúdos são extensos em todos os níveis de ensino. Isso faz com que o professor leciona a matéria rapidamente, comprometendo assim a compreensão profunda dos conteúdos. Ora um conteúdo que não se aprofunda é meio caminho andado para esquecimento após o teste escrito e outros trabalhos feitos de forma apressada.
Uma possível solução é minimizar drasticamente os conteúdos, priorizando apenas os aspetos essenciais. Assim, vai permitir ao professor ter mais tempo para aprofundar os conteúdos e trabalhar de forma mais eficaz e eficiente os aspetos cognitivos, emocional e social, e ainda os aspetos metacognitivos que envolvem esses mesmos conteúdos.
Gestão eficaz e eficiente
Por fim, a necessidade de maior eficiência e eficácia na gestão escolar a nível micro, meso e macro. A nível micro, que tem a ver com a gestão nos agrupamentos, é necessário colocar na gestão pessoas com formação e práticas em administração escolar e supervisão pedagógica, por via de concurso público, baseados em critérios claros e rigorosos.
O que tem acontecido décadas a fio é o ministério colocar na gestão dos agrupamentos pessoas afetas ao partido no poder. Essa prática, em muitos casos, pode colocar na chefia pessoas que não têm espírito de liderança democrática ou participativa. O que se observa é que a maior parte das pessoas que lideram os agrupamentos oscilam entre a liderança laisse-faire e autoritária. Em ambos os casos estamos perante líderes fracos, que acabam por ter uma influência negativa na gestão escolar.
A nível meso, que corresponde as delegações concelhias, padece de problemas semelhantes. Exige-se, de entre outras coisas, uma organização escolar que permite aos professores trabalharem nas melhores condições a todos os níveis. Isso não acontece, na maior parte das vezes.
Limitam-se apenas a trabalhos burocráticos, deixando de lado os aspetos que permitem que o sistema de ensino funcione de forma eficaz a nível do concelho. Por exemplo, não se conhece estratégias funcionais para melhoria de processo ensino e aprendizagem, estratégias que permitem combater a indisciplina e o abandono escolar.
A nível macro, que corresponde ao Ministério da Educação, enfrenta vários problemas dentre os quais destaco: falta de um pensamento integrado e coerente sobre o sistema de ensino, o que faz, na prática, com que o nosso sistema de ensino seja uma manta de retalhos; programas que são, na maior parte das vezes, um amontoado de conteúdos, sem uma coerência científica minimamente exigível; incapacidade para dialogar de forma eficaz e consequente sobre os mais diversos aspetos que envolvem o sistema de ensino; entre muitos outros.
Do meu ponto de vista, além do salário, que penso que é uma reivindicação legítima dos professores, é necessário incluir no pacote de reclamações os aspetos que invoquei acima, e certamente outros, que precisam ser resolvidos urgentemente para podermos garantir um ensino de qualidade, que contribua para que o nosso país desenvolva de forma sustentável.
*Mestre em Supervisão Pedagógica
No final do ano passado e este ano, houve várias manifestações de professores, um pouco por todo o país. O pano de fundo dessas manifestações é o aumento salarial. O objetivo destas linhas é mostrar que nessas manifestações deviam constar, a meu ver, outras reivindicações igualmente importantes para a melhoria da qualidade de ensino.