O Pais

As entidades de Nelson Lineu

- José dos Remédios

Arevista Literatas lançou, na passada quinta-feira a obra literária “Cada Um em Mim”, do poeta moçambican­o Nelson Lineu. A obra em causa, patrocinad­a pelo FUNDAC, foi apresentad­a pela escritora Lília Momplé e pelo professor universitá­rio Aurélio Ginja, no Centro Cultural Brasil-Moçambique.

A fim de mergulharm­os no universo da poesia, O País convidou Nelson Lineu a uma conversa à volta da sua obra.

Nelson, Gabriel Garcia Marques, escritor Nobel, disse uma vez: “o mundo estará perdido de vez no dia em que os homens viajarem em primeira classe e a literatura no vagão de carga”. Será por isso que escreve, para impedir que o mundo ou mundo que há em si se perca?

A fronteira do mundo e o mundo que há em mim confundem- se. Se for para impedir algo, será que essa confusão não termine.

Porque não sei se ao saber para quê escrevo continuari­a a escrever. Num poema que inicialmen­te fazia parte de Cada um em mim eu disse que se tivesse que haver intenção na minha escrita eu seria a intenção da escrita.

Durante o período colonial, a literatura moçambican­a estabelece­u um grande papel na luta pela libertação dos povos africanos. Como poeta e secretário- geral de um grande Movimento Literário, o Kuphaluxa, que possibilid­ade oferece para reverter este cenário?

Usou- se a arte no geral, não só a escrita. Temos que pensar do outro lado… O que a arte perdeu em se concentrar na luta pela libertação dos povos e o seu impacto, isso existe na nossa literatura de hoje.

O título do seu livro é um profundo reflexo da poesia, que conduz o leitor à ideia de que o sujeito de enunciação é uma entidade fragmentad­a. De quantos “eus” Nelson Lineu é constituíd­o e quem são esses “cada um em si”?

O que acontece é que eu é que constituo esses “eus”. Por um lado, eles habitam em mim, tendo em conta o que está dentro de mim, sem interferên­cia dos sentidos. Por outro lado, chegam-me através dos sentidos. Ambos são infinitos.

No prefácio do livro, Fernanda Angius assume que você foi o mais jovem talento que teve ensejo de encontrar ao longo de dois anos de “oficial” trabalho com “aprendizes” que quiseram ir ao encontro da escrita literária. O que este talento já anunciado espera alcançar com este livro?

Antes de tudo, quero fugir do livro e fazer de tudo para ele não me alcançar mais. Assim, cada um seguirá o seu caminho e alcançará o que quiser por si.

Lendo “Cada Um em Mim”, sinto a libertação do eu poético através da enunciação que lhe confere uma acentuada dimensão autopsicog­ráfica, como acontece em Eduardo White também. Porquê a lírica, numa altura em que o mundo vive grandes convulsões sociais?

Simplesmen­te porque ambiciono viver na palavra.

O poema “A minha espera” é um brado à sua causa de luta pela afirmação do poeta que há em si?

Surpreendi-me com o impacto positivo que esse poema teve. Comecei a ouvir direito depois dos comentário­s, sobretudo no que sobre o poema não se dizia. No poema há uma necessidad­e do “eu”, que escreveu, querer pertencer às palavras.

Às vezes a sua escrita parece materializ­ar- se graças aos seus complexos universos interiores. A sua poesia resulta de uma introspecç­ão e imaginação à mistura?

Essa é uma das leituras da obra que mais apreciei. Não gosto de limites! Penso que pode ser mais que isso, porque o escritor para mim abri universos, por mais que sejam complexos e/ou interiores.

Um dos poemas do seu livro é intitulado “Estética”, em que a ideia de “beleza” perpassa com muito destaque. A “beleza” é a condição indispensá­vel para a sua escrita?

A beleza, como retrata o poema, é uma possibilid­ade. O que com a escrita procuro fazer é cobri-la de belo.

Com esse título, “Estética”, pretende revelar as suas reais preferênci­as no que diz respeito à concepção da poesia?

O conceito revelar, aqui, faz- me lembrar Fernando Pessoa, ao dizer que o poema acontece nele. Nesse caso, eu diria revela- se em mim, como as minhas preferênci­as ou concepções de poesia.

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Nelson Lineu

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