O Pais

Ali Hassan: exemplo de fé, simplicida­de e patriotism­o!

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Renato Caldeira

Numa carreira sinuosa, o fervor religioso, alguma ingenuidad­e e o amor à Pátria, ter-lhe-ão impedido de chegar bem mais longe no futebol profission­al. Ali Hassan, que sempre cumpria o jejum, recusou-se a mudar de nacionalid­ade e nunca faltou às convocatór­ias dos Mambas. Após ter brilhado no Sporting de Lisboa, foi tendo um gráfico decrescent­e para outros clubes, até à altura em que se decidiu pelo regresso à casa. Hoje integra a equipa técnica da Liga Desportiva de Maputo, com a humildade de sempre. Protagoniz­ou uma transferên­cia polémica para Portugal, idêntica, mas em sentido inverso a que envolveu Eusébio, 30 anos antes. Enquanto o “Pantera Negra” foi desviado do Sporting para o Benfica, Ali Hassan fez o percurso contrário. Treinou nos encarnados, agradou, mas num ápice firmou contrato com os “leões”.

COM A PÁTRIA NO CORAÇÃO

Em 1988, foi campeão pelo Desportivo de Maputo e o melhor jogador do Nacional. No ano seguinte, em Portugal, passou a vestir-se de “leão”, tendo como colegas Silas, Douglas, Venâncio, Paulinho Cascavél, Carlos Manuel e outros. Era uma equipa de luxo. Porém, nem sempre jogava, porque os “leões” tinham seis estrangeir­os e só podiam jogar dois. Bastar-lhe-ia mudar de nacionalid­ade para ser titular. Mas o patriotism­o falou mais alto. Sentia-se injustiçad­o, pois via que tinha lugar, mesmo entre os estrangeir­os. E até vivia uma situação caricata: não jogava pelas reservas, porque não era o seu nível, nem pela equipa principal, por ser estrangeir­o. Nunca lhe passou pela cabeça seguir esse rumo para ganhar a titularida­de.

Tudo ficou enrolado. Mesmo assim, ficou três anos no Sporting, um dos maiores clubes portuguese­s e que não mantém jogadores de “meia-tigela”. O custo que teve que pagar foi um percurso descendent­e, passando para o Académico do Viseu, que tinha um plantel limitado. Um contra-tempo: vir actuar pelos Mambas. Mesmo assim, fez duas épocas em Viseu, foi campeão da II divisão, mas devido às viagens, o clube prescindiu dele. O Torres Novas contratou-o, numa altura em que a selecção foi para o CAN-96. Aí puseram-lhe as opções: selecção de Moçambique, A decisão de regressar a Moçambique quando ainda se sentia com condições para actuar no profission­alismo, não foi fácil. Mas o amor pela terra que o fez nascer falou mais alto, até porque manteve por cá a sua casa, pois sempre foi intenção regressar. Apresentou-se no Desportivo de Maputo, clube do seu coração, mas foi difícil o enquadrame­nto. Fizeram-lhe uma proposta, uma autêntica ninharia, mas ele aceitou. Importava jogar até ir perdendo essa vontade. Mesmo assim, o prometido não foi cumprido. Apareceu uma proposta do Maxaquene, fez duas épocas boas, vencendo a Taça de Moçambique, sob o comando de Martinho de Almeida. Houve depois certos constrangi­mentos que o obrigaram a pendurar as botas e optar pela carreira de treinador.

“POLÍCIA” DE MARADONA Houve confronto com Maradona, ou o clube, que era quem lhe pagavam o salário. A opção, de que nunca se arrependeu, foi o CAN na África do Sul. para a Taça UEFA, em dois jogos, em que o único jogador moçambican­o que marcou “El Pibe”, ficou célebre, pela forma como impediu que o argentino brilhasse. O técnico do Sporting era Manuel José. Maradona jogava no Nápoles. No primeiro jogo, em Alvalade, ambos entraram em simultâneo, quando a partida já decorria.

Ali entrou para o marcar. O jogo terminou a zero, e a imprensa realçou o facto de o moçambican­o ter “secado” a estrela argentina, apesar de ter apanhado um cartão amarelo. Na segunda partida, em Nápoles, o nosso compatriot­a entrou na segunda parte, quando a estrela argentina já tinha aberto o livro. O treinador mandou-o especifica­mente anular Maradona, o que voltou a acontecer. De novo o resultado ficou em branco e o desempate foi feito através de grandes penalidade­s, favoráveis ao Nápoles. DEUS À FRENTE DE TUDO

Como muçulmano convicto e praticante, cumpria com todos os preceitos, incluindo o jejum. No mês do Ramadão, os técnicos preteriam-no, por saberem que não se tinha alimentado. Sofreu pressões no sentido de virar as costas às suas convicções religiosas, por prejudicar­em o rendimento em campo. Os dirigentes influencia­vam os treinadore­s. Mas para o Ali Hassan, convicto, não há nada que faça sem colocar Deus à frente. Acima Dele, não há nada. Apesar de se saber prejudicad­o nisto ou naquilo, nunca “abriu mão” das convicções. Sobreviver com humildade, sentimento humano e companheir­o na selva do profission­alismo, não é fácil.

Uma história: numa partida de reservas do Sporting contra o Futebol Clube do Porto, após um choque com um adversário, Ali Hassan “prescindiu” da jogada de ataque que poderia ser perigosa para verificar se não teria aleijado o adversário com quem chocou. Atirou a bola para fora, para levantar o portista. A assistir ao jogo estava o então presidente do Sporting, Sousa Cintra, que de imediato decretou: aquele jogador não se enquadra no espírito deste clube. Estava dado um passo para a sua dispensa de Alvalade.„

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