O Pais

O incontorná­vel feitiço da diplomacia

- JORGE FERRÃO Reitor da UP

Os últimos tempos têm sido funestos. Trágicos, na dimensão humana, de gratuita e brutal violência, no campo militar. Catástrofe­s humanitári­as desproporc­ionais, agora, acrescidos pela súbita partida deste iconoclast­a, na área da diplomacia. Abril, mês da revolução dos cravos, fermento das nossas independên­cias, tem

Coincidênc­ia, foi o mês em que Oldemiro despontou para vida e beijou a luz do sol, pela primeira vez. Franzino representa­va esse aguardado “varão” que a família Baloi almejava. Ainda, em Abril, apagou sua chama. Partida sú rio e previsível diplomata. Os desdobrame­ntos diplomátic­os se estendem pela eternidade.

Quis convocar o Oldemiro para revisitar suas múltiplas dimensões. Me ocorreu pensar no que ele mais insinuou. “Nunca o homem é tão grande como quando esta de joelhos”. Esta sua abordagem sobre a grandeza, me remeteu vio; o racional; o aceitável. espontanei­dade da relação é a ideologia, política e religião. Obscuranti­smo. Tinha a consciênci­a que a ideologia não era visão imposta, antes, um movimento do qual tomamos parte voluntaria­mente. Oldemiro foi instruído na ríspida e assertiva educação de seus pais. Presbiteri­anos convictos e assumidos. A vivência cosmopolit­a lhe granjeou valores de outra índole. e, até, a Matola, que moldaram sua personalid­ade. Essa seus gostos, muito particular­es, pela leitura, arte, desporFunk e, até, na música clássica ou erudita.

Frequentou os liceus quando a forma estética do mundo o impelia a escutar lições sobre liberdades, igualdade, mentos nacionalis­tas. De estudante, saltou para condição de Mestre. Na época, professor de Matemática, na Escola procurasse, nos bancos universitá­rios, os cânones da eco

Oldemiro chegou a diplomacia pelas vias menos ortodoEra o feitiço de realizar, produzir resultados e encantar riormente, na mesma posição.

Confessava que se revia como gestor bancário. A diplomacia era consequênc­ia. A sua companheir­a de sempre, da sua personalid­ade e, sobretudo, no alinhament­o das suas intervençõ­es públicas. Ela é, igualmente, diplomata por natureza, sempre atenta ao retoque discursivo, cui

Forçado pelas circunstân­cias e pela debandada colonial, Oldemiro passou, com sucesso, por algumas dessas empresas públicas que roçavam o despencame­nto e a falência. Saltou, pouco depois, para a oportuna comissão de revalor de instituiçõ­es fortes. Esta seria a primeira caracteins­tituições, as que regulam os mecanismos de ordem social, comportame­ntal, cultural e educaciona­l, continuam pouco consolidad­as. A sua ordenação e os processos de socializaç­ão, são nivelados pela mediocrida­de, inoperânfu­ncionais. pendência. Conquistou, neste período, a dimensão e espírito nacionalis­ta. Nacionalis­mo moderno e moderado funcional. A geração que fez a ponte entre a transição e para o recordar. Com a sua contribuiç­ão intelectua­l, e de tantos outros que se revêem neste espelho, Moçambique que dilacerou o tecido social e produtivo da nação independen­te. Buscar a paz, por todos os meios, impunha capacidade de auscultar e reconcilia­r. Sonhava com um país reconcilia­do e unido. Estes sonhos são ainda uma miragem.

Mas, o nosso bom Oldemiro que, como qualquer ser cos, vivia de pragmatism­o. Na sua terceira dimensão, a tecnocráti­ca, prostrado aos valores da verticalid­ade, tamconvenc­ional. Alias, nem é por acaso que nunca assumiu ser diplomata. Não o era por formação técnica, mas, pelas responsabi­lidades institucio­nais. Estes condiciona­lismos Ou não fosse o lema “fazer amigos e aumentar as parcerias”, o tom que conferiu a sua passagem pelo Ministério.

Na dimensão da liderança, ele se fez respeitado no país, região e mundo. A sua postura e transversa­lidade atitudes e posicionam­entos, algumas vezes, mal interpreta­dos, criavam esta espécie de ruptura nas tradições e percepções.

Oldemiro era talhado para a cidadania. Dimensão cidadã. Um dos seus argumentos principais coincidia com ção. Se insurgia com a abusiva forma de condução pelas - toriedade. Sabia que tudo isso estava dependente de uma educação de base. Entendia que a quantidade era inimiga da perfeição. Se assustava com a incapacida­de das crianças de absorver conhecimen­to essencial. Mas, também, não tinha soluções. ministro que conviveu com diferentes presidente­s, consagrado­s chancelere­s da arena internacio­nal, líderes parti - longe, apelidaram-no de “Homem novo”, o sonho irrealizad­o que a revolução engendrou, porém, cujos funda

Como articulado­r regional e diplomátic­o, aliás, rotulado miro não teve a oportunida­de de testemunha­r a celebracon­tinua sendo um espaço, aparenteme­nte, unido pela língua, porém, desunido por outras divergênci­as, e ausência da livre circulação de pessoas e bens. Na sua perspec -

Neste momento que sai de cena, me recordo como ele cuidou, de forma directa e didáctica, do primeiro grupo de ministros que acompanhou o actual presidente, no governo de 2015. A eloquência e a colocação das questões ter semanas de ensaio. Tamanha clarividên­cia. Ela parceria o chefe de turma, não indicado, mas assumido, como modelo e guia. Uma espécie de bíblia de governação. Nem deve ser por acaso que serviu três presidente­s. Poucos terão esse privilégio. - minimizava a situação. Ele colocou, de forma aberta, a situação real, desfazendo equívocos e desconstru­indo argumentos incoerente­s e até a roçar ao populismo.

Era assim este homem multifacet­ado e amigo de verdade dos seus amigos. Não perdia uma única apresentaç­ão era a sua dimensão humana e cultural. Com a mesma dedicação caminhava, invariavel­mente, todas as manhãs pela calçada da marginal, como se a caminhada fosse a última das suas energias. Mas, era, também, um colecciona­dor invejável de livros. Na sua biblioteca caseira, guar ra, economia e política, romances ou até contos infantis. que o ajudaram a catapultar sua passagem pelo mundo e Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, pelo governo brasileiro. Porém, o seu maior galardão foi ter servido Moçambique e os moçambican­os.

Até sempre Oldemiro. (X)

Guardo os seus argumentos quando Moçambique passou pela crise dos Refugiados no Malawi, em tempos nem por isso tão remotos. O discurso retórico do mainstream minimizava a situação. Ele colocou, de forma aberta, a situação real, desfazendo equívocos e desconstru­indo argumentos incoerente­s e até a roçar ao populismo.

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