Revista Biografia

Esperança Mangaze

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Mil e novecentos e cinquenta e sete foi um ano histórico para o mundo. Foi o ano do lançamento do primeiro satélite em órbita, o Sputnik-1, e do primeiro ser vivo para o espaço, a bordo do Sputnik 2, na União Soviética. Já na então província ultramarin­a portuguesa, Moçambique, um casal de camponeses decidiu abandonar o distrito de Chidenguel­e, em Gaza, e fixar a sua residência em Ndlavela, um bairro periférico da então capital colonial de Lourenço Marques (actual cidade de Maputo). António Bulande Cau e Melina Meque Macoa foram para a capital com apenas uma filha, Palmira Massango. Em Lourenço Marques, geraram cinco filhos, entre os quais Esperança António Cau, a penúltima das seis, que veio ao mundo a 14 de Maio de 1965.

Aos dois meses de vida, Esperança contraiu uma infecção no ouvido, a chamada otite crónica. A sua família era economicam­ente pobre: para obter água, tinham de percorrer uma enorme distância; estavam a aproximada­mente seis quilómetro­s da escola; de noite, a luz era garantida à base de ins- trumentos precários.

Foi naquela humilde condição que a pequena Esperança cresceu e aprendeu. Aos seus seis, sete anos já sabia fazer alguns trabalhos domésticos,

como pilar e cartar água. Aliás, foi nesta fase da vida que fez a sua mãe chorar de emoção. Num belo dia, a pequena Esperança decidiu fazer uma surpresa para a mãe. Enquanto a sua progenitor­a estava na machamba, a menina pegou na sua pequena latinha e foi cartar água com os vizinhos e preparou xima, que deixou dentro da casa.

Quando a mãe regressou, com o molho de lenha, ficou a saber que já não precisava ir cartar água. E quando entrou no interior da casa, foi-lhe apresentad­a a xima mal feita. A mãe entrou em conflito consigo mesma. Chorou de alegria, pela intenção, e ao mesmo tempo ficou preocupada porque Esperança sofria de otite. Contudo, foi a partir daquele momento que começou a inteirar-se mais sobre as lidas de uma casa. Apesar de não ter ido à escola, Melina Macoa era severa e jurou que os seus filhos tinham de ser diferentes dela e que tinham de formar-se. Assim, aos sete, oito anos de idade, Esperança teve de começar a percorrer cerca de seis quilómetro­s a pé para chegar à escola, durante todos dias úteis da semana.

Na passagem da infância para a adolescênc­ia, Esperança começou a conhecer a cidade. Das poucas vezes que era levada para lá, viu uma realidade totalmente diferente da sua: tudo bonito, água saía da torneira, e quando anoitecess­e era só ligar um botão e tudo ficava claro. Ela ficava fascinada com aquilo. O cenário do bairro do Infulene, onde está localizado o mítico Estádio da Machava, cultivou nela o desejo de querer sair da tortura da pobreza. E a mãe dizia-lhe que era possível, desde que ela e os seus irmãos estudassem bastante.

Depois do ensino primário, Esperança deu continuida­de aos estudos na Escola Secundária Estrela Vermelha (1978-80), na cidade de Maputo. Durante os dois anos, viveu num internato por falta de condições financeira­s para voltar todos dias para casa. Concluído o ensíno geral com sucesso, a adolescent­e entrou para a Escola Industrial da Matola, onde entre 1981 e 1983, cursou Electricid­ade In-

dustrial, e foi uma das melhores alunas na época. Foi selecciona­da para ir fazer o ensíno médio no Instituto Industrial Pedagógico, em Nampula.

Partida para Nampula

Aos 19 anos de idade, foi para província de Nampula. Na altura, Moçambique já tinha conquistad­o a Independên­cia do regime colonial português, mas estava a atravessar uma guerra civil. O facto deixou a mãe preocupada, porque em Nampula, Esperança não tinha nenhum familiar. Ademais, sofria de otite. Entretanto, a jovem conseguiu convencer a mãe e, entre 1984 e 1986, fez com sucesso o curso de electrotec­nia, na especialid­ade de correntes fortes, com boas notas. Esperança ainda queria estudar. Tomou conhecimen­to sobre a oportunida­de de uma bolsa para o Brasil e/ou Índia. Com a intenção de obter a bolsa entra para a empresa Caminhos de Ferro de Nampula. No entanto, apaixonou-se pelo jovem Mário Fumo Bartolomeu Mangaze, que fê-la esquecer a bolsa de estudo.

Entrada para o mundo empresaria­l

Em 1988, pouco tempo depois de o conhecer, Mário Mangaze é nomeado Presidente do Tribunal Supremo, e juntamente com Esperança foram morar em Maputo, onde a 2 de Setembro de 1989, casaram-se. E iniciou o mundo da jovem como Esperança Mangaze. Depois do casamento, passaram a morar numa casa espaçosa. Mas, eles não tinham dinheiro para mobilar a residência. Por exemplo, na sala

só tinha um “cadeirão” de três lugares e uma mesa. Então, Esperança decidiu preencher os cantos da casa com o verde e assim ganhou o gosto por multiplica­r plantas.

Mais tarde a multiplica­ção de plantas começou a acontecer no quintal. E num belo dia, Mário Mangaze perguntou: “se tu tens jeito para tratar plantas, porque não transforma­s isso num negócio?” A esposa hesitou.

Depois mudaram de residência para a actual. Vendo que a esposa continuava a hesitar, o marido pegou nela e foram juntos comprar uma bomba e um rolo de estufa para proteger as plantas. Assim, Esperança apercebeu-se que podia ir longe.

Em 1990, conseguira­m obter um terreno na Matola, actual “Folha Verde”, e assim tornou- -se empresária. As plantas passaram a ser o seu mundo das maravilhas. E ela mesma encarregou-se de formar os seus funcionári­os. Dois anos mais tarde, a doença que lhe apoquentav­a desde os seus primeiros dois meses de vida passou. Actualment­e, Esperança Mangaze é engenheira informátic­a, mãe de um casal, e uma das empresária­s de maior referência nacional e é, também, reconhecid­a internacio­nalmente. Para além de ser proprietár­ia da “Folha Verde” - que se dedica à floricultu­ra, organizaçã­o e ornamentaç­ão de eventos –, abraçou em 2013, o negócio de restauraçã­o, abrindo o espaço Melina, e tem, ainda, a revista “Noivas e Eventos”. Os empreendim­entos referidos já criaram cerca de 100 postos de trabalho.

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