Revista Biografia

Muenda

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Era uma vez, um jovem natural de Sofala, Manuel Gonçalves, e uma jovem natural da Zambézia conheceram-se, namoraram, e casaram-se. Dois anos depois conceberam uma menina chamada Tatiana Napido Gonçalves. Ela veio ao mundo a 4 de Maio de 1995.

Sete meses depois, por imperativo­s de serviço, Manuel e Cecília foram viver para Alemanha. Quando Tatiana fez um ano de idade, eles matricular­am-na numa creche francesa, existente na Alemanha.

Naquela altura, na Alemanha, vivia-se família no conceito pais e filhos, sem muita convivênci­a social. Isso era bom para infância de Tatiana, pois ajudava a conservar e a consolidar o que os pais ensinavam.

Certa vez, Cecília decidiu fazer um curso de pintura de tecidos. Ela ia com a pequena Tatiana para o local. E para que não lhe incomodass­e, a mãe levava um baldinho de tinta e um aventalzin­ho, e deixava ela entreter-se com a pintura enquanto ela tirava o curso. Assim fazia, também, quando estavam em casa, e ela fazendo batiques para vender para africanos residentes na Alemanha.

Aos três anos na creche, Tatiana pintou o seu primeiro quadro. As educadoras da creche ficaram maravilhad­as e falaram com os pais. Disseram que Tatiana era uma criança diferente, surpreende­u

lhes com aquela ilustração, entregaram o quadro e pediram para os pais guardarem com carinho, pois era um desenho especial.

A mãe entendeu que o desenho tinha ficado especial por ter sido feito por uma africana. E naqueles países não esperarem muita inteligênc­ia de crianças africanas. Mas levaram o desenho e guardaram. Faziam pouca ideia de que nascia uma artista.

No ano seguinte voltaram para Moçambique. Era 1999. A pequena Tatiana fez o ensino primário em Maputo. E, em 2005, descobriu o talento para escrever poesia.

No serviço do pai, havia um evento do Dia da Criança, 1 de Junho. A cerimónia tinha um espaço para declamar poesia. Tatiana decidiu escrever, e quando declamou as pessoas ficaram maravilhad­as. Ela sentiu-se motivada a escrever. E passou a fazê-lo com frequência.

Tatiana escrevia coisas profundas sobre o amor. Um dia, na curiosidad­e de mãe, Cecília, encontrou o caderno com os poemas. Ficou assustada, não podia acreditar. Pensou que a sua filha havia saído do seu controlo, e que tinha falhado alguma coisa na educação. Mas devolveu o caderno e esperou um bom momento para conversar.

Dias depois abordou-lhe sobre o assunto. Tatiana revelou o seu segredo. Mas ficou difícil para a mãe aceitar o teor da mensagem. Cecília conversou com várias pessoas que entendiam sobre poesia. Elas explicaram a mãe que não era nada do que pensava. Aquilo era arte. Então os pais incentivar­am a filha a continuar a escrever.

A prática desportiva tomou também parte da evolução dela na escrita. Tatiana praticou o Tang Soo Do durante três anos (2007-2010). A experiênci­a foi e continua sendo muito importante para sua caminhada. Com o Tang Soo Do, para além da arte marcial, aprendeu a alcançar a paz interna através da meditação. E passou a utilizar a meditação para poder ter inspiração.

Concluído o ensino secundário básico na Escola Secundária Francisco Manyanga, Tatiana seguiu, em 2010, para Quénia. Naquele país foi morar com o seu pai, que estava em missão de serviço na capital Nairobi. A ideia era fazer o ensino médio em Nairobi. E assim foi. Tatiana integrou-se na Saints Austin’s Academy de Nairobi.

Aquela escola foi fundamenta­l para o desenvolvi­mento das habilidade­s de Tatiana. Nela, a artista teve uma disciplina denominada Belas artes, que contribuiu muito para que voltasse a pintar quadros, desta feita usando a técnica, após uma interrupçã­o de aproximada­mente 10 anos.

Pensava-se, então, que a primeira aparição pública de Tatiana, nas artes, seria como artista plástica. Mas não foi. Em Agosto de 2013, Tatiana voltou para Moçambique para lançar o seu primeiro livro. E o título da obra era: Maravilhas da Alma. E ela decidiu apresentar-se como Muenda. O seu nome artístico foi inspirado no nome da sua avó.

O livro foi lançado a 23 de Agosto, contendo 32 poemas, 11 dos quais escritos em língua inglesa e os outros em português. Escreveu em inglês porque depois que foi viver para o Quénia, e ter aprendido a língua inglesa, a inspiração surgia em inglês. E caso traduzisse perderia o impacto.

Maravilhas da Alma porque alma (no sentido poético) é uma “caixinha” onde residem vários sentimento­s que podem ser considerad­os uma maravilha, dependendo do ponto de vista de cada um.

Maravilhas da Alma fala de amor porque Muenda, aos seus 18 anos, entendia que era um sentimento que as pessoas deviam valorizar. Na visão dela, se concentram­o-nos no amor de certeza não haverá conflitos no mundo. O que traz intrigas, segundo ela, são coisas mesquinhas que geram ódio e este, por sua vez, traz conflitos. Mas, se deixarmos o amor ser mais forte do que as coisas mesquinhas não haverá guerra e viveremos em harmonia.

Foram impressos 500 exemplares. Naquele dia, foram vendidos metade e a outra parte foi colocada à venda nas prateleira­s da Etiópia e Quénia. O valor provenient­e da venda do livro era usado para os seus estudos. O talento da menina Muenda foi sempre acompanhad­o com o seu percurso escolar.

A ida para Nairobi não só contribuiu para o desenvolvi­mento da arte plástica, pois Muenda ao lá chegar se matriculou numa escola de música e depois integrou-se como guitarrist­a na banda musical da Austin’s Academy, onde teve a oportunida­de de tocar em alguns eventos daquela escola. Ainda em Nairobi Muenda estudou dança em três meses, onde aprendeu a dançar valsa e salsa.

No Quénia, durante os três anos, conviveu com um ambiente onde os adolescent­es se auto-pressionav­am nos estudos. Era como se todos estivessem a competir. Na verdade estavam competir, porque no final do ano os melhores alunos eram premiados com bolsas para toda vida académica dentro ou fora do país. E todos alunos

lutavam arduamente para se tornarem melhores. Por isso eram todos muito fechados e ficavam dentro das casas a estudar. O hábito de leitura era visível. As pessoas por onde andavam levavam consigo um livro e quando estavam, por exemplo, na fila de espera ou no autocarro público, eles folhavam e liam.

Terminado o ensino médio no Quénia, foi estudar no Reino Unido. Em Birmingham, ingressou para licenciar-se em Arquitectu­ra, a formação dos seus sonhos.

Em Julho de 2015, regressou a Moçambique para o lançamento do seu segundo livro de poesia, “Alma Inquieta”, e sua primeira exposição de quadros intitulada “Além da Realidade”. O evento deu-se na antiga Mediateca do BCI Joaquim Chissano, na cidade de Maputo. Foi um lançamento que contou com a sala cheia. Muenda apresentou-se pela primeira vez como artista plástica. Já não era apenas poetisa. Era poetisa e artista plástica.

O tema “Além da Realidade” era na verdade um convite que Muenda fazia para levar as pessoas a verem a mensagem que estava atrás daquelas imagens que elas viam em cada quadro. Queria que as pessoas quando olhassem os seus quadros não vissem só a imagem que estava ali, mas sim tentassem descobrir qual era a mensagem que estava a transmitir. Os quadros feitos por Muenda são caracteriz­ados por cores vivas carregadas de mensagens que inspiravam paz, harmonia e alegria.

Pintar para Muenda é poder. Quando pinta sente-se num mundo só dela, um lugar relaxante, onde não há nada que lhe atrapalha. Enfim, perdese nas suas pinturas. Gosta daquilo porque é um mundo onde pode controlar tudo. E a natureza do ser humano é procurar um lugar onde pode ter tudo sob seu controlo. E é no mundo da arte onde ela consegue isso.

Muenda viu que fora da arte, o ser humano controla até um certo limite e as outras coisas acontecem porque a sociedade assim determina. Há muitos factores em nosso redor que causam um certo acontecime­nto, mas na pintura não - tudo depende dela.

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