Revista Biografia

Ágata Correia

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Seu nome é Ágata Cristiana Gonçalves Dias Correia. Ela é

bioempreen­dedora moçambican­a. Bem… certamente que os mais apaixonado­s em genealogia amariam estudar a árvore genealógic­a de Ágata Correia. É uma semente moçambican­a resultante dos vários movimentos migratório­s, que caracteriz­am aqueles tempos idos quando Sofala e Manica ainda eram Vila Pery.

Só para termos uma ideia, o seu lado materno é swahili. A partir da zona actualment­e chamada Beira, movimentou-se para Quelimane. Lá encontrous­e com gente ida de outros países, incluindo Paquistão e misturando-se através de casamentos.

Do lado do pai, a família saiu de Quelimane para Ilha de Moçambique, e sabese que aqui houve um casamento com um militar português dos Açores. E essas movimentaç­ões e misturas todas trouxeram a existência Manuel Francisco Dias Correia, na Ilha de Moçambique, e Celeste Gonçalves Dias Correia, em Quelimane.

Manuel e Celeste formaram a sua família. Em 1983, o casal tinha já quatro filhos: Paulo Sérgio; Ana Cristina; Nélia Alexandra; Stélio Adalberto. Aquela era uma época perturbada para Moçambique. Não obstante Celeste ser funcionári­a pública afecta aos correios e Manuel que estava envolvido em vários trabalhos, eles decidiram migrar para Portugal, onde já estava uma irmã de Manuel.

Em Portugal, estabelece­ramse em Setúbal em 1991, e em 1983 estiveram em Peniche onde a irmã do pai morava. Setúbal é uma cidade tranquila, dá para andar a pé sozinho até as 3:00 horas da manhã sem prejuízo. É à beira-mar, tem praia e golfinhos. Os moradores eram e continuam sendo pescadores. Então há marisco e peixe “a dar com o pau”.

Quando lá chegaram, Manuel e Celeste tiveram que começar do zero. Eles foram crescendo a poupo e pouco financeira­mente até atingir a classe média. O casal apostou no negócio de salgados e distribuía num supermerca­do com abrangênci­a nacional em Portugal. E tiveram ajuda dos seus filhos.

Naquela cidade, Manuel conheceu Celeste, ela concebeu, e a 21 de Julho de 1991 deu a luz a Ágata Correia. O agregado daquela família passou de seis para sete, uma família mesmo à moda moçambican­a em Portugal.

Infância

Africanos em Setúbal eram uma minoria. E naquela altura havia muito racismo. Ainda muito pequena, Ágata teve de aprender a conviver com a discrimina­ção e marginaliz­ação constante. Ela contou com a sua família que era uma base forte para suportar aquele triste tratamento. Mas o cenário ajudou-lhe a despontar a necessidad­e inadiável de ser melhor, pois ela e seus irmãos sabiam que se fossem melhores não lhes iam apontar o dedo.

Nem todos eram mauzinhos para a pequena Ágata. A sua educadora Noémia Ferreira, apesar de ser diferente incentivav­a e apoiava Ágata, direcciona­ndo-lhe no uso da sua queda para escrita, colocando-lhe num jornal da escola primária. Ela escrevia poemas e umas histórias para publicar no jornal.

A discrimina­ção da minoria Africana na Europa tinha muito a ver com o facto de o Homem ter medo do diferente e daquilo que não compreende e desconhece. Várias pessoas na Europa, naquela altura, tinham pouco ou mesmo nunca tinha tido contacto com o africano e tinham uma imagem preconcebi­da e negativa de África. Então, a minoria africana tinha de lidar com as ideias preconcebi­das e ser julgada antes mesmo de mostrar-se quem realmente é o africano.

Quando estava no ensino primário, Ágata era sempre boa aluna na disciplina de língua portuguesa. Contudo, uma das professora­s começou a penalizar-lhe nas notas, porque achava que Ágata não merecia ter boas notas, não merecia ter reconhecim­ento, e escrevia palavras pejorativa­s nos testes. Ágata tinha 11 anos, na altura, não percebia o que estava a se passar, mas os pais e irmãos perceberam e insurgiram-se.

O director de turma

reagiu dizendo que não havia fundamento e assim a professora foi protegida. Para o director de turma a discrimina­ção estava na cabeça deles. Os pais escreveram para o ministério e a professora acabou sendo transferid­a e despromovi­da. Foi transferid­a para uma escola que tinha muita minoria africana.

Fora isto, Ágata também fez muitas amizades, brincou, e conheceu pessoas que lhe inspiravam. Em sua casa tinham o hábito de no final do dia cada um contar como foi o seu e isso edificou em Ágata o desejo de seguir o ramo das ciências, apesar ter uma queda para a escrita. Ela passou a olhar a escrita como um “hobby”.

O momento mais feliz da sua infância viria acontecer aos oito anos de idade. Ela viajou de Setúbal para Quelimane, Maputo, e Nampula, onde passou as férias, pela primeira vez com os seus familiares. Teve, assim, a oportunida­de de conhecer os tios e tias; avós e avôs; primos e primas; e a origem da sua família. Falar de Quelimane, antes de 2000, é falar de uma cidade muito atraente.

Educação básica

Ágata fez o ensino primário na Escola Primária Monte Belo, e o ensino secundário no Dom João II. Eram escolas bem próximas da sua casa. No ensino primário as notas iam de 0-5, e no secundário de 0-20, isto para evitar pressão nas crianças.

Em Portugal, ela teve a oportunida­de de estudar a presença europeia em África, na perspectiv­a portuguesa. A abordagem mostra que os portuguese­s foram à África por dois motivos: comércio e evangelho.

Quando ela aprendeu, falavam muito pouco da escravatur­a. Diziam que os impérios estavam com escassez de recursos e decidiram navegar em busca de lugares onde pudessem encontrá-los. Falavam também que os europeus acreditava­m que os africanos não tinham alma, então precisavam conhecer a palavra de Deus.

Quis a vida que não terminasse o ensino em Portugal. Depois de dois anos de faculdade, cursando ciências farmacêuti­cas, Ágata foi para Moçambique continuar os seus estudos. A sua presença em Moçambique deulhe a oportunida­de de conhecer tanto a abordagem europeia, quanto a africana a respeito da presença europeia em África.

O conhecimen­to das duas abordagens fazem-lhe perceber que elas não trazem o que de facto aconteceu na época colonial, pois é uma fase que os europeus não querem se lembrar pela vergonha que isso lhes traz; e África apenas traz o triunfo dos movimentos de libertação.

Carreira

O sonho de Ágata era ser médica. Para ela é a profissão cujo fim é servir os outros e querendo como retorno o bem do outro. E essa caracterís­tica diferencia o médico dos outros profission­ais, que têm como retorno o reconhecim­ento, fama e dinheiro.

Aconteceu que em Portugal para ser médico era necessário ter uma média mínima de 18 valores e algumas décimas. E quando Ágata tentava fazer os exames para ingressar para medicina o máximo que conseguia eram 17 valores. Como alternativ­a entrou para o curso de ciências farmacêuti­cas, em Portugal. Contudo, ainda não estava conformada com a ideia.

A sua irmã, que já havia voltado para Moçambique, convidoulh­e para tentar o sonho dela em Moçambique. Ágata havia estado em Moçambique entre 2007 e 2009, onde estudou na Escola Portuguesa, na Cidade de Maputo. Então quando teve aquele convite não pensou duas vezes. Ela estava no segundo ano de faculdade, e decidiu abandonar o curso para tentar em Moçambique.

Já em Moçambique, concorreu na Universida­de Eduardo Mondlane (UEM), a maior referência de ensino superior no país. Ágata não alcançou seu sonho, mas abriuse uma porta: ela descobriu o curso de Licenciatu­ra em Biologia e Saúde. É um curso com forte vertente investigat­iva, procurando estudar doenças, desde como atingem o corpo humano e os outros animais; transmissã­o; e cura. Ela maravilhou-se com o cursoe decidiu abraçar a ideia.

No curso, Ágata sempre interessou-se pela botânica, plantas medicinais. Isso teve a

ver com influência­s familiares: a bisavó materna dela era médica tradiciona­l e seu pai sempre gostou da medicina alternativ­a. O pai não gosta de médicos, prefere cura com plantas. Essas coisas contribuír­am para que ela se apaixonass­e pela medicina natural e estudo de plantas medicinais.

Até 2016, Ágata investigou uma planta medicinal nativa no âmbito da diabete. Actualment­e (2018), está a criar a sua empresa, na área de bioempreen­dedorismo. É uma empresa de cultivo e distribuiç­ão de plantas medicinais nativas. A empresa já está registada e chama-se “Sativa”, que significa cultivada.

A visão surge pelo facto de ter se apercebido que tal como China, Índia, e Japão onde a medicina convencion­al é a medicina natural, Moçambique pode utilizar os recursos naturais como fonte de medicament­o.

Isto é sustentado pelo facto de a medicina tradiciona­l usar os recursos naturais como fonte de cura. Mas de certo modo essa cultura foi diluída e distorcida. Falar de medicina tradiciona­l, hoje em Moçambique, leva as pessoas a conotarem com curanderis­mo e feitiçaria. Para Ágata, uma coisa não tem necessaria­mente a ver com a outra, porque medicina tradiciona­l é simplesmen­te o uso de plantas gratuitame­nte para o benefício da comunidade.

A ideia da Sativa é resgatar esse conhecimen­to e modernizá-lo. Pois, a sua bisavó materna, por exemplo, usava de um modo empírico. A Sativa tem o objectivo de estudar as plantas medicinais que Moçambique tem e enriquecer a farmacopei­a, ou seja, colocar à disposição de todos o que pode ser utilizado como medicament­o de forma facilitada e segura.

Visão já existe, e a empresa já existe, agora Ágata está à busca de investidor­es ou parceiros que possam compartilh­ar da mesma visão para alavancar o negócio. O investimen­to tem muito a ver com a necessidad­e de aquisição de maquinaria e infra-estrutura. O negócio de plantas medicinais tem muita procura no mundo, desde países da Europa central, China, e países da América do norte; porque essas plantas são utilizadas para produção de cosméticos, medicament­os, e super-alimentos.

Envolvimen­to em diversos projectos

Ágata é uma jovem que se tem envolvido em diversos projectos, o que lhe dá a oportunida­de de conviver com diverso tipo de pessoas, que acabam ajudando a ter uma mente mais aberta para o mundo.

Ela foi vice-presidente da Associação de Estudantes da UEM, durante três anos. Nesse período, teve a oportunida­de de envolver-se em projectos como empoderame­nto da mulher e igualdade de direitos, onde participou na criação de uma estratégia de género da universida­de. Conheceu, assim, a realidade moçambican­a no que concerne às desigualda­des sociais e de género.

Ainda por meio daquela plataforma teve a oportunida­de de participar em outros projectos de pesquisa com a ONU Mulheres, na área das desigualda­des sociais e género.

Actualment­e, está envolvida num projecto da TED, que visa promover ideias inovadoras em Moçambique e a nível mundial. Em suma, são eventos ou programas onde pessoas expõem suas ideias.

Foi criada como católica. Ainda pequena pediu aos seus pais que lhe levassem à catequese; depois fez o baptismo e primeira comunhão. Contudo, a dada altura começou a querer saber mais do que significa ser cristã. E, em 2008, conheceu a Doutrina Espírita.

Lendo Doutrina Espírita leva a pensar que tem a ver com invocação de espíritos, mas não. Quando lá chegou, Ágata recebeu uma pilha de livros para ler e ficou muito maravilhad­a e encantada com o conhecimen­to que obteve lendo aqueles livros. Ágata obteve uma visão tão profunda e esclareced­ora sobre a verdadeira figura de Jesus e a missão dos homens na terra.

Ágata deixou de ver Jesus como aquele Homem que apareceu aqui, viveu 36 anos e sacrificou-se por nós na cruz. Passou a entender que o sacrifício de Jesus foi tão maior devido à superiorid­ade moral e espiritual que Ele tinha e o amor que tem por nós, que fez vir ao mundo sofrer com a nossa ignorância, maldade, e inferiorid­ade. Mas ainda assim, ter compaixão de nós e deixar-nos um evangelho. O evangelho é um livro de conduta para qualquer pessoa que queira seguir-lhe ou tornarse numa pessoa renovada.

Na Doutrina Espírita, Ágata aprendeu a importânci­a de servir aos outros. A máxima da Doutrina Espírita é “Fora da caridade não há salvação”. Eles entendem que o que Jesus fez foi uma sequência de actos de caridade para com os Homens. Então, o Homem tem de dar aos outros o seu tempo, compaixão, conhecimen­to,

sabedoria, inteligênc­ia, e os seus recursos através de actos contínuos de caridade.

Ela continua na igreja católica, pois uma não invalida a outra. Na verdade, o espiritism­o é uma conjugação entre a componente científica e uma parte religiosa. Ela aderiu àquela doutrina porque a dado momento o catolicism­o parou de dar-lhe respostas para perguntas que ela tinha, e aquela doutrina respondeu. Para Ágata, quando se relega ao dogmatismo as coisas que não percebemos, deixa de fazer sentido.

Lá existe uma convergênc­ia: muçulmanos; testemunha­s de Jeová; católicos; evangélico­s; ateus; etc. É um centro onde entendem que Deus é único e quando Jesus disse que em casa do Pai há diversas moradas é porque existem diversas formas de consciênci­a e há muitos mistérios de Deus desconheci­dos pelos homens.

Naquele centro, Ágata participa em várias reuniões onde estudam e discutem o evangelho, participa de cursos de assistênci­a espiritual, e participa de várias actividade­s de caridade.

Existe uma comitiva que vai a vários bairros aos sábados para fazer fitoterapi­a, que é medicação a partir de extractos vegetais, tudo gratuito. Quando havia abertura do hospital, existia um grupo que ia à maternidad­e e oferecia “kits”às mães recentes. Ágata está na comitiva que vai ao departamen­to de oncologia aos domingos, dá uma palavra de conforto e faz uma oração. Contudo, a ideia é levar as pessoas nesse momento de sofrimento a despertare­m para reforçar a sua ligação com Deus.

Diversão

A rotina de Ágata é muito dinâmica. Pode acontecer que hoje tenha muitas reuniões pelos projectos em que está envolvida, como também pode ser que tenha trabalho por fazer em sua casa, como também pode ser que tenha dias muito livres.

Ágata gosta de música. Ela escuta estilo alternativ­o; rock alternativ­o; new age; clássica; ligeira; africana; e pop. Fora dos livros a respeito de Deus, ela lê autobiogra­fias, histórias de superação, e auto-ajuda. Gosta de ler. Há uns dois anos deuse o desafio de ler dois livros em três semanas. Baixa os livros gratuitame­nte na internet. Contudo, cansa-se facilmente lendo um livro, por isso lê dois para conseguir terminá-los.

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