SUSANA CEREJA
“O entusiasmo foi o primeiro motor da minha vida.” A confissão de Susana Cereja, 31 anos, condiz com a sua personalidade: alegre, criativa, conversadora. As peças que faz, sempre em tapeçaria de Arraiolos, mas que por vezes entram por outras artes, da pintura à escultura, refletem esse amor à vida, o alimento no encontro com outras pessoas – de frequentadores dos seus workshops a quem lhe ensinou a trabalhar a lã –, mas também o papel da mulher na sociedade. “Gosto muito de explorar o feminino, de tocar os temas da intuição, da sensibilidade, da necessidade de liberdade”, reflete. As silhuetas desenhadas e as cores fortes das lãs escolhidas para os trabalhos traduzem essas inspirações. “Diz-se que o ponto de Arraiolos é bruto, mas eu acho que é o contrário. Quando comecei, fui ao Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos e vi peças bem delicadas”, continua. E foi também por isso que acrescentou às suas peças o ponto pé de flor, típico do bordado tradicional, de forma a fazer arte. A sua arte.
A conversa com a PRIMA acontece numa casa no Milharado, Mafra, onde Susana Cereja vive e montou dois estúdios. O “estúdio 1”, chama-lhe, é o principal, onde borda, na companhia do pai e da irmã, que a ajudam a dar vazão às encomendas, e onde estende papéis, telas e dá workshops para quatro pessoas; o estúdio 2 funciona como armazém onde trabalha os materiais com potencial de sujidade, como tintas ou gesso. É que a arte de Susana, que já a levou, por exemplo, à bienal de arte têxtil da Eslovénia, ou a expor em Cáceres, nos Encontros Ibéricos de Arte Têxtil Contemporânea, costuma conduzi-la por caminhos diferentes, fruto também de uma formação variada. Cresceu a pintar e a desenhar, sempre gostou de linhas e agulhas, tanto para brincar com a costura como com o bordado, e frequentou dois cursos superiores. Estudou Arquitetura, fez Ilustração na Faculdade de Belas Artes, Desenho no Ar.co, e trabalhou cinco anos como arquiteta no atelier de Joana Vasconcelos. “Foi nessa altura que descobri o
Arraiolos e comecei a fazer umas peças, mas mais para encaixar noutros trabalhos. “As pessoas à minha volta riam-se. Achavam que era coisa de avó. E depois percebi que era um ofício muito forte sozinho”, comenta. Por isso, foi aprofundar os conhecimentos numa loja de Lisboa, com uma senhora mais velha, que vende lãs e faz restauro de tapetes antigos. “De facto, cruzava-me sempre com pessoas mais velhas.”
Mas nem isso a demoveu. Desde 2019 que faz do trabalho em Arraiolos vida, com peças que a tornaram um nome conhecido dentro do universo artístico de modernização do Arraiolos. Pontos em lã que tanto aplica em serapilheira como em telas de rede. Ao longo dos anos, contudo, começou a driblar as regras do Arraiolos. “Permite muito. Cada vez mais percebo que não tem um fim.” Em algumas peças mais especiais, junta aos desenhos em lã também o gesso, a serigrafia ou a pintura. “Houve uma altura em que separava tudo, mas depois comecei a combiná-las e gosto do resultado.” Descobriu um gesso muito resistente através da amiga artista Iva Viana e encontrou semelhanças com o bordado a lã: “É interessante a poética de que ambos precisam de tempo, um para fazer, outro para secar.” Como anda sempre a criar, os testes mais recentes já estão a levá-la por outros caminhos, a adicionar pedras e missangas, “quase uma tecelagem com Arraiolos”, explica, e é provável que não pare por aqui.
Durante a pandemia, angariou o pai para a ajudar a bordar – “o único que alinha nas minhas maluquices e que adora ter as mãos na massa comigo” –, o que lhe permite estar mais tempo a trabalhar em tapeçarias originais ou nas residências para a qual é convidada. No final do verão do ano passado, esteve no Torrão, em Alcácer do Sal, a fazer uma peça na vila. “Acabei por ensinar 17 pessoas de várias idades a fazer Arraiolos, com quem ainda falo hoje em dia. É curioso, porque sempre foi um ofício muito comunitário e acho que isso se perdeu.” Com os workshops que organiza, tenta recuperar essa ideia. “As pessoas acabam as peças em casa, mas levam daqui tudo ensinado”, resume. Entre aulas, exposições e residências, vai tendo tempo para fazer peças por encomenda, para trabalhar nas suas ideias, que nem sempre significam retângulos perfeitos, antes pelo contrário, para fazer arte a partir do artesanato e para ensinar o máximo número de pessoas. “Gosto dessa ideia, de haver um impacto nas pessoas, de poder darlhes voz.”