TÂNIA GASPAR
Psicóloga Clínica, professora na Universidade Lusófona, coordenadora do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis e presidente da IPSS Aventura Social, trabalha com crianças e jovens em risco para tentar promover o seu bem-estar.
“Nasci em 77, já depois da revolução, mas os meus pais eram professores e delegados sindicais, por isso desde pequena que vivo num ambiente muito participativo. Venho de uma família de esquerda, muito cultural, com muitos livros em casa, com pais que sempre falaram comigo de questões políticas, do que era a direita e a esquerda, dos direitos das pessoas. E talvez por isso eu própria me juntava a muitas causas, principalmente sociais. Tirei psicologia social e trabalhei durante muitos anos com migrantes e pessoas que vinham para Portugal e precisavam de apoio social e na saúde. E aí apercebi-me de situações de grande exclusão e discriminação, porque muito depois do 25 de Abril ainda há muito que mudar. Por isso, sim, hoje acredito que o 25 de Abril, através dos meus pais, que me passaram a noção de justiça, de liberdade e de empatia com o outro, me fez tomar as opções profissionais que tomei. A recordação que eu tenho do 25 de Abril é uma nostalgia positiva. Os meus avós eram pessoas muito diferentes. Do lado do meu pai, eram menos privilegiados, também eram mais passivos, tinham muito medo do futuro. Da parte da minha mãe, vinham de uma classe elevada, eram pessoas mais interessadas. Depois do 25 de Abril, o meu avô, que era diretor-geral, foi defendido pelos seus funcionários. Portanto, embora tivessem uma posição confortável, sempre estiveram ao lado de quem lutava pela liberdade.
Lembro-me de ir com os meus pais às reuniões sindicais e lembro-me de uma grande liberdade em que toda a gente dizia o que pensava. Quando comecei a trabalhar em sítios mais conservadores, foi um choque. Percebi que o mundo não era todo aquele em que eu tinha crescido, que havia – e ainda há – ambientes corporativos muito despóticos e subculturas organizacionais terríveis. Eu não estava habituada a ter medo, e sempre lutei contra isso.
Sou adequada e diplomática, mas sou assertiva. Digo o que tenho a dizer. E acho que esta minha base me ajudou a lutar pelos meus direitos. É importante lutar, mas é ainda mais importante saber lutar.
Esta conjuntura política deixa-me desconfortável. O povo português sempre foi pacífico. Na crise de 2010 eu estava fora do país e nos noticiários ouvia que em Itália partiam tudo, em França ardia tudo, em Espanha era a desgraça, e em Portugal nada. (risos) Aliás, a nossa revolução fez-se com flores. E eu vejo isto com orgulho. Mas o facto é que, por muito orgulho que se tenha em termos conquistado a nossa liberdade e autonomia, temos de ter consciência de que as nossas conquistas são frágeis. E acho que hoje, mais do que nunca, temos de ter consciência social, porque o nosso sistema educativo e de saúde são fulcrais. Temos de assegurar as necessidades de quem precisa, mas para isso não podemos ficar fechados na nossa bolha.
Outro dia, estava a explicar ao meu filho, de 16 anos, em que é que as eleições podiam impactar a vida dele.
Disse-lhe ‘se calhar a ti não vai impactar muito porque tens uma vida privilegiada, mas as pessoas não vivem todas como tu’. Se ele tivesse nascido numa casa onde as pessoas tinham pouca escolaridade e onde as necessidades básicas não estivessem asseguradas, se calhar pensava de outra maneira. Gostaria muito que os jovens não vivessem fechados na sua bolha. Eu, por exemplo, frequentei a escola pública e isso foi muito importante na minha formação e na minha percepção de que havia realidades diferentes da minha.
É importante não nos deixarmos abater pela nostalgia. É importante mantermos a preocupação global, social, humanista, e lutarmos pelos nossos direitos com respeito e assertividade. E realismo. Mudanças de ‘tudo ou nada’ só acontecem em situações-limite. Mas às vezes sinto que a vida, para cada um de nós, está a ficar tão difícil que eu não sei como é que ainda não atingimos a situação-limite. Como psicóloga, noto que os índices de saúde mental pioraram muitíssimo, porque as pessoas andam com dois ou três trabalhos para sobreviverem. Como é que vamos aguentar isto e durante quanto tempo? Não sei.”
Hoje, mais do que nunca, temos de ter consciência social, porque o nosso sistema educativo e de saúde são fulcrais.