DA ARTE DE SER PORTUGUÊS FORA DE LISBOA
OUVI QUE O DR. RUI RIO NÃO SE DÁBEM EM LISBOA, O QUE INDISPÕE OS CORRELIGIONÁRIOS DACAPITAL
COMO JÁ EM TEMPOS CONTEI AOS MEUS BENEVOLENTES LEITORES, o Tio Pedro Afonso foi o único membro da família ( depois de 1834, como faço questão de dizer a quem sabe o mínimo de História) que desempenhou aquilo a que se convencionou chamar “funções governativas” – era um posto discreto num ainda mais discreto ( como todos) governo do dr. Salazar. Em nenhuma das coisas ( a ida para o governo, o governo propriamente dito e o seu chefe) se depositaram grandes esperanças. O velho Doutor Homem, meu pai, teve ainda a ingrata tarefa de o tentar demover de ir para Lisboa providenciar, a partir daquela subsecretaria de Estado, uma reforma que ou não chegaria a realizar- se, ou de que ninguém se iria recordar; não conseguiu.
Dois anos depois, para alegria da esposa ( uma senhora asmática, atreita a enfermidades) e alívio da família, o Tio Pedro Afonso foi devolvido ao Porto eà sua banca de advogado. Ele, que era um jurista sério e tinha sido vagamente poeta antes de ter passado pelo governo ( a Tia Benedita providenciou para que os poucos exemplares dos seus livros fossem convenientemente eliminados ), nunca mais escreveu um soneto e viveu, durante alguns meses, mortificado pelo que hoje se designaria ‘ uma depressão’. O Tio Alberto, gastrónomo e bibliófilo de São Pedro de Arcos, atribuiu o destempero a uma desadequação tremenda entre o ex- subsecretário de Estado e a cidade de Lisboa: isolado num apartamento da Baixa, desconhecendo os hábitos da capital e ignorado pelos porteiros dos restaurantes, o Tio Pedro Afonso era um estranho que falava com sotaque enãofrequentara nem o Tamariz nem as missas do senhor Cardeal Cerejeira, onde todos se benziam para o mesmo lado.
Recordei- me da sua figura de galã portuense – tinha um cabelo impecável e usava coletes de lã – ao ouvir na televisão que o dr. Rui Rio não se dá bem em Lisboa, e que isso indispõe os seus correligionários da capital, cosmopolitas que almoçam entre amigos de infância. O facto não me entristece nem é uma novidade. Desde Calisto Elói, o personagem de Camilo que partiu de Miranda para salvar a Pátria, até ao dr. Rui Rio ( passando por certos professores de Coimbra), há uma ilustre linhagem de portugueses que Lisboa devolveu à Pátria depois de os devorar com insolência, ou que reteve depois de eles capitularem, tal como o brigadeiro Joaquim Urbano fez render os Dragões de Chaves às tropas do sr. Duque da Terceira às vésperas da Convenção de Évora Monte.
Dona Elaine comenta, sem ironia, que para lá do farol de Montedor – ou da foz do Neiva – só é tolo quem quer.
DONA ELAINE COMENTA QUE PARA LÁ DO FAROL DE MONTEDOR – OU DA FOZ DO NEIVA – SÓ É TOLO QUEM QUER