“A morte faz- nos perceber o que é importante”
Wilko Johnson foi diagnosticado com uma doenca doença fatal. Salvou- se e voltou a tocar
O que se pode esperar deste concerto no CCB, em Lisboa? Um bom concerto de rock’n’ roll, porque isso é o que sei e gosto d e fa zer. ‘ Bl ow you r Mind’, o meu novo trabalho, é um disco de rock. O rock sempre foi o estilo que mais falou das coisas da vida. E este disco não é diferente.
Esta digressão marca também o regresso aos palcos após uma l uta vencedora contra o cancro. No entanto, chegaram a dar- lhe apenas alguns meses de vida. O que aconteceu?
Foi há cerca de cinco anos. Senti um alto enorme na barriga, fui ao médico e ele disse- me que era um cancro no pân- creas, inoperável, e que me restavam apenas alguns meses de vida.
O q u e sen te u ma pessoa quando ouve algo assim?
É algo absolutamente estranho. É muito intenso. A clareza e a profundidade dos pensamentos são enormes. O simples facto de se acordar vivo de manhã e ser diariamente confrontado com o fim é uma avalanche surreal de sentimentos,
O MÚSICO BRITÂNICOWILKOJOHNSON FOI DIAGNOSTICADO COM UM CANCRO INCURÁVELHÁCINCOANOS MAS, MIRACULOSAMENTE, SALVOU- SE. AHISTÓRIADE UMAESTRELAQUEVIVEU SEGUNDAVEZ “DECIDI QUE NÃO IA PROCURAR TRATAMENTOS MILAGROSOS. DECIDI VIAJAR E TOCAR ROCK”
muitos deles contraditórios. A morte é a única coisa que nos faz perceber o que é realmente importante e que nos mostra o quão tolos fomos em desperdiçar o nosso tempo, a nossa vida, com coisas sem importância nenhuma. E, no entanto, apesar da convicção da morte, continuamos vivos e a acordar, dia após dia...
O que resolveu fazer?
Decidi que não ia andar por aía tentar descobrir tratamentos revolucionários nem milagrosos. Não tinha essa esperança, os médicos tinham- me negado. Por outro lado, eu passei também pela experiência de perder a minha mulher - o único e grande amor da minha vida - para o cancro, uns anos antes. A ideia de reunir- me a ela confortava- me. Por isso decidi divertir- me. Viajar pelo Mundo e tocar rock, aqui e ali, onde calhasse e houvesse um palco. Decidi aproveitar da mel hor forma o tempo que me restava... ou pelo menos era isso que eu pensava.
Com o se d eu o pon t o d e viragem?
Foi num concerto... eu estava a tocar e andava por ali à volta um fã e fotógrafo, chamado Charlie Chan. Ele era extremamente rápido, ora estava numa ponta do palco, ora noutra! Mas o que importa é que Charlie Chan, além de fotógrafo era também médico e acabámos por conversar depois do concerto. Ele disse- me muito se-
riamente: “Você não pode estar com um cancro em fase terminal como diz. Não esse tipo de cancro. Nunca teria forças. Por esta altura, devia estar já numa cama a definhar”. Isto foi precisamente pela altura em que o prazo que os médicos me deram estava a terminar. De facto eu sentia- me em forma, completamente saudável. Por segundos, dei alguma hipótese a mim mesmo e pensei: ‘ Talvez este tipo tenha razão!’. O Chan deu- me depois o contacto de um médico e cirurgi ão que el e conhecia e aconselhou- me a pedir um segundo diagnóstico.
E depois?
Fui l á. O ti po disse que i ri a conseguir tra ta r- me. Mais uma vez foram emoções muito intensas... é difícil acreditar numa cura quando já se está mentalizado para morrer. Tinha muitas dúvidas. Porque estaria aquilo a acontecer comigo se eu até já estava prepa ra d o pa ra morrer? Mas mesmo com estas dúvidas fui operado. Correu bem, apesar de ter sido um processo muito longo. Estive quase um ano no hospital em tratamentos, mas curei- me. Uns meses antes o Roger Daltrey tinha- me ligado para gravarmos um disco juntos e o disco saiu na altu ra em que fu i i nternado. Teve algum sucesso, andou nos tops mas eu perdi a parte divertida porque estive quase um ano no hospital! Contudo, vivi outra vez.
Disse ter descoberto o mais importante... O que é afinal? A família, os amigos, aquilo que nos faz bem mas que deixamos sempre para depois.
“SER CONFRONTADO COM O FIM É UMA AVALANCHE SURREAL DE SENTIMENTOS”