Correio da Manha - Boa Onda

UM LIVRO DE MOLEDO E A GENEROSIDA­DE DOS LEITORES

O LIVRO FARÁO SEU CAMINHO, IGNORADO ENTRE OS ALMANAQUES IGNORADOS. RESTAM OS LEITORES

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O TIO ALBERTO ESCREVIA, QUASE TODOS OS ANOS, uma carta à imprensa da Galiza alertando para “questões de qualidade” das ostras, amêijoas e mariscos da sua costa, de Ribadeo – no limite – a Arcade, na província de Pontevedra. Quando escolhia o ‘ Faro de Vigo’ como destinatár­io, o bibliófilo e gastrónomo de São Pedro de Arcos aprimorava o texto, aperfeiçoa­ndo- o durante uma ou duas semanas, e escolhendo citações que tanto podiam incluir a senhora condessa de Altamira como um poeta de Orense pouco conhecido. D. Álvaro Cunqueiro, que na altura era director do jornal, publicava o início da carta na primeira página, com continuaçã­o e destaque na segunda. Geralmente, um dos seus correligio­nários da ciência gastronómi­ca, D. Marcos, um comerciant­e da Corunha e recitador de Ramon Cabanillas ( com quem passava uma semana de termas no Gerês), escrevia- lhe um postal de felicitaçõ­es, se bem evitando mencionar tratar- se do ‘ Faro de Vigo’, uma vez que na Corunha não se apreciavam muito as referência­s à cidade vizinha, nem à sua imprensa. Seja como for, tratava- se de um momento particular­mente importante na vida da família.

Desd e esses anos sessenta até hoje, coube- me a mim – um pobre minhoto praticamen­te da i dade do Titanic e da invenção da penicilina – continuar, sem a mesma qualidade e brio literário, a veia jornalísti­ca do Tio Alberto. Há onze anos, num mês de Dezembro frio e chuvoso, expliquei estes pormenores ao Dr. Octávio Ribeiro antes de inaugurar esta coluna no jornal que desde então recebe os meus textos ( primeiro através da Dra. Fernanda Cachão e, depois, pelo Dr. Paulo Fonte, que generosame­nte fingem uma serenidade invulgar de semana a semana, enquanto aguardam “pela crónica”). Avaidade de um velho, no entanto, não tem limites – e a Dra. Celina, a nossa bibliotecá­ria de Caminha, passou por cá no último domingo, trazendo um exemplar do novo livro que reúne as crónicas dos últimos anos, ‘ O Crepúsculo de Moledo’. Tudo se deve a estas duas almas que não cessam de surpreende­r- me: a própria Dra. Celina, com o seu entusiasmo, comentando pormenores da vida local de Moledo; e a minha sobrinha Maria Luísa, que semanalmen­te, ao domingo à tarde ( antes de regressar a Braga, onde vive), passa ao computador o que escrevo durante a semana. O livro fará o seu caminho, ignorado entre os almanaques que também são ignorados. Resta a generosida­de dos meus leitores, inexplicáv­el e infinita. Sem eles, eu era uma espécie de solitário invisível, perplexo e abandonado na escadaria do santuário de São Bento da Porta Aberta.

SEM OS LEITORES EU ERA UMA ESPÉCIE DE SOLITÁRIO ABANDONADO EM SÃO BENTO DA PORTA ABERTA

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TEXTO ESCRITO COM A ANTIGA GRAFIA

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