A PRIMAVERA DE MOLEDO E O INVERNO QUE HÁ- DE TERMINAR
CADA MUDANÇA DE CALENDÁRIO TEM SIDO UMA BÊNÇÃO; O MEUTEMPO ÉAPENAS UM EMPRÉSTIMO
A MINHA IRMÃ MAIS NOVA CONTINUA A DEFENDER QUE EU PERTENÇO, não a este mundo, mas aos calendários do passado. Gosto da imagem, ela fazme recordar a mudança de ano e a forma como Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, trocava o calendário da cozinha – um desfolhar de paisagens que ela, na sua bondade, achava apreciáveis. Cada mudança de calendário tem sido uma bênção da providência; mês a mês essas paisagens no calendário da cozinha não deixam de me lembrar que o meu tempo é apenas um empréstimo e que aeterni da deé uma doençaim prestável.
Nesses calendários, estávamos neste momento a preparar- nos para a Primavera – por todo o lado, a abundância de frases sobre a matéria prova que a humanidade deposita grandes esperanças nos dias que se aproximam, celebrando, de passagem, a tepidez das primeiras tardes de sol depois dos vendavais e das geadas de Inverno; as personagens dos livros e dos filmes, reabilitadas pela meteorologia, ficam disponíveis para ultrapassar em desvario os seus criadores; o mundo, digamos, reorganiza-se com achega dada Primavera, a estação do ano que pior literatura produziu ao longo da história da humanidade.
Há um volteio no céu, umas nuvens brancas que se inclinam sobre a grande baía da foz do Minho, que fica repentinamente colorida dos azuis fortes que tanto aprecio a cair sobre a Ínsua. Estes quadros parecem- me arrancados às paisagens de Dona Elaine, que nasceu em Roboreda ( uma aldeia de onde se vê Vila Nova de Cerveira), cresceu e en- viuvou no Rio de Janeiro, e protege a minha dieta e o meu sentido de desorganização em Moledo.
De ano para ano, em chegando Março, Dona Elaine não se esquece de me avisar que éo mês dom eu aniversário, acrescentando que, se a saúdem enãop reocupa o suficiente, isso devoà Dr a. Teresa, a minha médica de Venade, que atribui a longevidade dos Homem mais à leitu- ra da bula dos medicamentos do que, propriamente, aos próprios comprimidos aviados na farmácia. Acredito que não é bem assim. A multiplicação das doenças e dos exames médicos transformou- nos em seres egoístas preocupados com a extensão da eternidade – razão porque a eternidade não me preocupa. APrimavera que se aproxima ( a minha sobrinha Maria Luísa desconfia destas declarações por causa do aquecimento global) é um pequeno milagre ao pé de outros. É um conforto contra a ameaça da idade e do Inverno que há- de terminar.
DE ANO PARA ANO, EM CHEGANDO MARÇO, DONA ELAINE AVISA- ME QUE É O MÊS DO MEU ANIVERSÁRIO