Correio da Manha - Boa Onda

AS LUTAS PELO CLIMA À BEIRA DO AREAL DE MOLEDO António Sousa Homem

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AS NUVENS QUE SEVIAMAO LONGE PROMETIAM CHUVA, OVERDADEIR­O NORTE DASUAVIDA

AO CRUZAR CREIO QUE A

1 PONTE SOBRE O RIO LEÇA, mal saía do Porto, o velho Doutor Homem, meu pai, dizia – com aquela graça pessoal e enganadora, suportada por um sorriso em que se limitava a mover um dos cantos da boca: “Então já chegámos ao Norte.”

Queria com isto o causídico dizer que as nuvens que se viam ao longe, pairando sobre o que ele supunha ser Viana, ou a leste, onde ele imaginava que tinham construído Braga, prometiam chuva – e que a chuva era o verdadeiro Norte da sua vida. As ilações são falsas. Em primeiro lugar porque o velho Doutor Homem, meu pai, até apreciava certos recantos de Braga, se bem que desdenhass­e dos últimos duzentos anos da cidade e das construçõe­s religiosas do novo século ( o novo século era, então, o XX); depois, porque ele não gostava especialme­nte de chuva, mas a proximidad­e dos primeiros dias quentes de Primavera deixavam- no atordoado como se atravessas­se uma tempestade quente do Sahara. Quando chegava o Verão – aquele Verão profundo, intenso, povoado de canículas –, o nosso progenitor recolhia a Ponte de Lima para uns dias de férias, na suposição de que, depois do entardecer, se soltavam brisas refrescant­es das margens do rio. Não acontecia nada parecido com isso, como se sabe, e ele passava pelas varandas nocturnas do velho casarão de granito como uma alma amedrontad­a por problemas respiratór­ios ( que nunca teve), calores excessivos ( que não havia) e uma natureza inclemente ( o que ele desconheci­a, porque não tinha “inclinação para verduras”, como também se referia aos arvoredos em redor).

Hoje, ele não s obre viveriaà falta de sentido de humor que se espalhou como um vírus pela espécie humana. Na semana passada, a minha sobrinha Maria Luísa foi confrontad­a pelos seus filhos adolescent­es com “uma greve pelo clima”. Saturada de boas intenções, a eleitora esquerdist­a da família recomendou aos seus filhos que, depois de participar­em nas manifestaç­ões, passassem a desligar as l uzes de que não precisasse­m ou a tomar duches de cinco minutos a fim de economizar os “recursos naturais”. Eu ainda acrescente­i, a medo, que espremesse­m a pasta de dentes pela base e não pelo meio, mas ninguém me ouviu. Os filhos de Maria Luísa trataram- na como a turba trata os reaccionár­ios, o que me encheu de certa alegria. Pedi a Dona Elaine que reforçasse o arroz de pato.

QUANDO CHEGAVA O VERÃO, O NOSSO PROGENITOR RECOLHIA A PONTE DE LIMA PARA UNS DIAS DE FÉRIAS

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TEXTO ESCRITO COM A ANTIGA GRAFIA

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