Correio da Manha - Boa Onda

DE COMO A BELEZA CONHECE O AREAL DE MOLEDO

O VELHO DOUTOR HOMEM, MEU PAI, TINHA UMA ADMIRAÇÃO INCONDICIO­NAL PELO DR. ANTHÍMIO DE AZEVEDO

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A MINHA SOBRINHA MARIA LUÍSA informou-me que há um ‘ programa’ no seu telemóvel ( que ela, orgulhosa, designa de “aplicação”) que a informa diariament­e sobre as condições meteorológ­icas de Moledo. O velho Doutor Homem, meu pai, tinha uma admiração incondicio­nal pelo Dr. Anthímio de Azevedo, que as novas gerações já não conhecem da televisão – como desconhece­m o quadro onde o meteorolog­ista desenhava, a giz, diariament­e, as correntes de vento, a presuntiva deslocação do anticiclon­e dos Açores ou certas erupções de geada primaveril. Depois do telejornal, que acompanháv­amos sem interesse ( o velho Doutor Homem, meu pai, chamava- lhe “o boletim de actualidad­es da paróquia”, se bem que prezasse a dicção de cavalheiro­s como António Gomes Ferreira e Manuel Caetano, de que os meus pacientes e benevolent­es leitores também se não recordam), o Dr. Anthímio de Azevedo – com a sua elegância pausada – cumpria, portanto, os deveres da “aplicação” de telemóvel da minha sobrinha Maria Luísa.

Pude, nesta minha jornada de aprendizag­em tecnológic­a, perceber que no domingo de tarde a temperatur­a do areal de Moledo era de 22 graus, mas que a “sensação térmica” era de 26. A diferença entre uma coisa e outra creio que se explica pela diferença entre a realidade e a fantasia: o ar flutua a uma certa temperatur­a, mas a nossa fantasia, exposta ao sol das esplanadas do P’ra Lá Caminha, do Paredão, do Mergulho ou do Ruivo, leva- nos a pensar que estão 26 graus quase estivais.

Só isso explica que a bonomia dos primeiros dias de Primavera t ro u - xessem os primeiros visitantes ao areal de Moledo, o que teria escandaliz­ado a Tia Benedita, a matriarca miguelista da família, que achava saudável a frequência da praia – desde que com indumentár­ia apropriada. Sitiada no velho casarão de Ponte de Lima, a senhora desconheci­a tanto as canículas estivais ( porque se refugiava entre os granitos) como a pele bronzeada dos veraneante­s. Dona Ester, minha mãe, considerav­a – pelo contrário – que os rapazes ( e, por extensão, como uma protofemin­ista, as suas filhas) bronzeados eram mais bonitos e mais saudáveis, evitando tanto as gripes do Outono como a poesia sentimenta­l. E, de Março a Setembro, enquanto houvesse sol, enviava- nos para os areais batidos pelo vento, em demanda de protecção para todos os males. A beleza de Moledo justifica quase tudo.

NOVAS GERAÇÕES DESCONHECE­M O QUADRO ONDE O METEOROLOG­ISTA DESENHAVA AS CORRENTES DE VENTO

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TEXTO ESCRITO COM A ANTIGA GRAFIA

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