Correio da Manha - Boa Onda

Um copo para a despedida

- POR MIGUEL AZEVEDO JORNALISTA

Aprimeira entrevista que fiz a Carlos do Carmo foi nos anos 90, tinha eu vinte aninhos. À data, e acabado de chegar à profissão, tinha uma espécie de lista, para ir riscando, dos artistas que desejava entrevista­r. Entre eles estavam Frank Sinatra, Caetano Veloso, David Bowie, Amália Rodrigues, Rui Veloso e Carlos do Carmo. No dia em que me vi cara a cara com ele, tremi. Ele já era um senhor, de quase 60 anos, de cabelo grisalho, com trinta anos de carreira. Já eu, era apenas um miúdo, que ainda nem tinha a certeza de ter escolhido a profissão certa. Carlos do Carmo olhou-me fixamente, percebeu a minha ansiedade e, para me pôr à vontade, perguntou-me: “Isto demora muito? É que eu fico sempre muito nervoso com esta coisa das entrevista­s”. Depois disso cruzámo-nos outras vezes, uma delas, há cerca de dez anos, numa tertúlia sobre fado, num restaurant­e em Almada, na qual eu era o moderador e Carlão, o anfitrião. Convidei Mafalda Arnauth, Marco Rodrigues e Carlos do Carmo, julgando eu que ele nunca iria aceitar, por ser, claro, o Carlos do Carmo e por ter mais do que fazer. Mas ele apareceu. Jantou, falou com os fãs presentes, contou histórias, e às onze da noite pediu desculpa mas disse que tinha que se ir embora. “Eu compreendo. Já passou da sua hora. Tem que ir descansar”, disse eu, ao que ele respondeu. “Não, tenho é ainda que ir beber um copo com o meu amigo Ivan Lins”. Lembrei-me desta história quando, no início do ano, Carlos do Carmo anunciou a despedida dos palcos, porque os 80 anos já não lhe permitiam mais. Os concertos de despedida começam amanhã no Theatro Circo de Braga. Em novembro, dá os derradeiro­s espetáculo­s nos Coliseus de Lisboa e Porto.

... ELE JÁ ERA UM SENHOR DE QUASE 60 ANOS, DE CABELO GRISALHO

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal