Uma despedida com futuro
Nas vésperas do concerto de despedida no Coliseu de Lisboa, Carlos do Carmo dizia-me que estava “preparado para morrer”, que se isso, por ventura, acontecesse em palco até seria “uma morte gloriosa” (“os médicos já me disseram que a qualquer momento posso cair para o lado”), mas que o que verdadeiramente o assustava era a questão da decadência. “Não queria deixar uma imagem decadente e estragar o que fiz. As pessoas não merecem isso de mim”. Ora, foi um Carlos do Carmo de coração escancarado, exposto, mas a respirar fado, com a voz de sempre e o mesmo sorriso traquina, com o charme habitual, mas a dias de fazer 80 anos, com a noção que já não é mais um ‘puto’, que se despediu no passado sábado dos palcos perante um Coliseu dos Recreios de nó na garganta, a segurar a comoção como poucas vezes. Entrou numa sala de pé e despediu-se duas horas depois de uma plateia embevecida e seduzida, irremediavelmente seduzida (ainda está por nascer quem faça melhor). António Costa subiu ao palco para lhe atribuir a medalha de Mérito Cultural, não por aquilo que fez mas “pela confiança que temos no muito que continuará a fazer pela música e pela cultura”, disse o primeiro-ministro. Lembrei-me da entrevista que lhe fiz em 2013, aquando do disco ‘Fado é Amor’, álbum de duetos com Aldina Duarte, Ana Moura, Camané, Carminho, Cristina Branco, Mafalda Arnauth, Marco Rodrigues, Mariza, Raquel Tavares e Ricardo Ribeiro, todos uns putos ao pé dele. Perguntei-lhe como era “dar a mão a esta nova geração”. Ele ‘afinou’ comigo e disse-me: “Eu não estou a dar a mão a ninguém. Estou a dar continuidade”. Obrigado, Carlos! O fado não deixará de ser seu e o Carlos nunca deixará de ser quem era.
ENTROU NUMA SALA DE PÉ E SAIU COM UMA PLATEIA SEDUZIDA